Capítulo 4 – A
questão do orgulho e do egocentrismo.
O primeiro relato da manifestação
de orgulho que temos na Palavra está em Gênesis e se refere à Queda do homem.
Há o famoso diálogo entre a mulher e a serpente e, quando é cogitada a
possibilidade de Eva ser “como Deus” (Gn 3.5), aquela árvore se torna boa para se comer, e seu fruto se torna agradável e desejável. A consequência é que a mulher, após comer do fruto
proibido, oferece ao seu marido, que também o experimenta (Gn 3.6). Paulo, ao
escrever a Timóteo, afirma que Adão não foi enganado quando participou daquele
manjar amaldiçoado (1Tm 2.14). Quando, porém, inquirido por Deus daquele
lastimável evento histórico, o homem aponta a responsabilidade para Deus, que
deu a ele a mulher e esta, por sua vez, culpa a serpente.
Fica, pois, evidente que a raiz do
orgulho, que caminha para a rebelião contra Deus, já existia na serpente antes
de o homem ter experimentado daquela árvore. Isaías e Ezequiel nos trazem
revelação acerca da Queda de Satanás, a antiga serpente:
Filho do homem, levanta uma lamentação sobre o rei
de Tiro, e dize-lhe: Assim diz o Senhor DEUS: Tu eras o selo da medida, cheio
de sabedoria e perfeito em formosura. Estiveste no Éden, jardim de Deus; de
toda a pedra preciosa era a tua cobertura: sardônia, topázio, diamante,
turquesa, ônix, jaspe, safira, carbúnculo, esmeralda e ouro; em ti se faziam os
teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados.
Tu eras o querubim, ungido para cobrir, e te estabeleci; no monte santo de Deus
estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado,
até que se achou iniquidade em ti. (Ez 28.12-15)
Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha
da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu
dizias no teu coração: Eu subirei ao
céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da
congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das
nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E, contudo, levado serás ao
inferno, ao mais profundo do abismo. (Is 14.12-15) [Ênfases adicionadas]
Uma leitura atenta a todos os textos
citados acima revela um único ponto em comum: o desejo de ser igual a Deus. Essa
é a raiz do orgulho: o desejo de se tornar um ser autônomo (auto = próprio; nomia = regra; ou seja, um ser guiado pelas suas próprias leis),
independente de Deus.
A partir da Queda, o homem passou a
desejar essa independência, retirando Deus do centro de sua vida.
Inegavelmente, o homem esvaziou-se de Deus, perdeu a Sua extraordinária
semelhança. Por isso, partilhamos todos nós, uma realidade indiscutível: Toda
criança, jovem, adulto ou velho guardam dentro de si as raízes do orgulho. Quando
Deus deixou de figurar como o centro do interior humano, outras coisas,
necessariamente, passaram a preencher esse lugar.
Vimos anteriormente que o ser é dependente do ter. Vimos também que Deus é a peça exata que se encaixa na lacuna
infinita de nosso interior; Ele é o Ter
que tanto precisamos, ainda que não O desejemos. Contudo, o que podemos compreender
é que o egocentrismo gera a mais terrível das confusões, pois transformamos o
nosso ser no que nós temos de mais valioso. O nosso ser se torna o nosso ter. Quando nos tornamos o nosso maior
tesouro, automaticamente, tudo que está a nossa volta se manifesta inferior a
nós mesmos.
Tudo isso adoece o ser humano. Não
poucas vezes vemos cristãos exclamando: “Fulano não está à minha altura!”.
Outros pensam: “Essa pessoa não merece nem a minha compaixão”. Há alguns dias
caminhava num shopping com minha filha e com minha sobrinha, ambas ainda
crianças, e percebia o grau de egocentrismo manifesto na multidão. Muitos
passavam por aquelas duas crianças sem qualquer tipo de respeito, sem mesmo,
sequer, baixar a cabeça para olhá-las. Se não fosse a minha companhia com todo
o meu cuidado, elas praticamente seriam pisoteadas.
Dentro da igreja temos um grande
número de pessoas tão cheias de si, que não enxergam as necessidades do
irmãozinho ou da irmãzinha ao lado. Há tantas reclamações de que não recebem
visitas; mas nunca os vemos visitando. Há murmúrios de muitos por falta de
reconhecimento pessoal por parte da liderança, mas poucos são os que reconhecem
o quão é importante aquele irmão humilde que se assenta lá atrás. Julgam sempre
fazer melhor do que os outros: “Eu dirigiria o culto melhor do que aquele
irmão”; “Eu pregaria melhor do que aquele outro”; “Eu tenho uma voz mais bonita
do que aquela irmã que canta no ministério louvor”; “Eu oraria com mais fervor,
e a igreja iria sentir o poder de Deus”; “Eu não suporto aquele fulaninho”. Em
resumo, são tantos eu, eu e eu, que já não há espaço para Deus nesses corações
inchados.
João Batista foi considerado o mais
peculiar e o maior de todos dos homens pelo Mestre Jesus (Mt 11.11). Contudo,
este mesmo João afirmou acerca de si mesmo:
“É necessário que Ele [Cristo] cresça e que
diminua.” (Jo 3.30)
Nessa atitude, fica evidenciado o
segredo de sua inegável piedade. João, por exaltar a glória de Cristo e por
conhecê-lo, mesmo antes de tê-lo visto, compreendeu o seu lugar perante Deus: o
lugar de humilhação. Ali está o remédio que nos cura de nós mesmos.
Medicando e
tratando o orgulho: o lugar de humilhação.
A natureza do orgulho deve ser
tratada. Em Deus há excelsa glória, mas nunca houve orgulho. Ele nos prova isso
por meio de Seu filho:
De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que
houve também em Cristo Jesus,
que, sendo em forma de Deus, não teve
por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a
forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente
até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre
todo o nome; para que ao nome de
Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e
debaixo da terra, e toda a língua
confesse que Jesus Cristo é o SENHOR, para glória de Deus Pai. (Fp
2.5-11) [Ênfases adicionadas]
Como Deus pode ser humilde e, ao
mesmo tempo, rodeado de glória? A resposta é simples: a Sua Glória se manifesta
em tudo o que Ele é, e a humildade é um de Seus extraordinários atributos. Por
isso, nosso amado Mestre fala aos nossos corações:
Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração;
e encontrareis descanso para as vossas almas. (Mt 11.29)
Aprender de Cristo é crescer em
Cristo (Os 6.3; 2Pd 3.18). Crescer em Cristo é galgar em direção à Sua
estatura:
Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao
conhecimento do Filho de Deus, a
homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo (Ef 4.13)
O caminho para se alcançar a
estatura de Cristo é, justamente, a humilhação. Crescemos nEle, enquanto
diminuímos de nós mesmos. Nesse caminho há muitos desafios e encontraremos,
como regra, a provação:
Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o
passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez
confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa,
para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes. (Tg 1.2-4)
A provação nos conduz à humildade e
ao consequente aperfeiçoamento do homem interior, que é sempre renovado (2Co
4.16). No caminho da humildade, entendemos que a nossa glória pessoal deve ser
ofuscada pela Glória de Cristo.
A cura do orgulho se dá por meio do
quebrantamento. Somos vasos nas mãos do oleiro (Jr 18.3,4); e como vasos, somos
feitos, no Senhor, conforme a Sua vontade, e não a nossa. Ainda que sejamos
quebrados em Suas mãos, seremos renovados e transformados para a Sua glória.
O crente precisa entender que há a
necessidade de, dia após dia, ser curado do orgulho. E a cura, definitivamente,
é a humildade. Quando Jesus diz que devemos aprender dEle, da Sua mansidão e
humildade, Ele está nos dizendo que o caminho é a negação pessoal (Lc 9.23-24) e a obediência irrestrita e no Seu divino amor:
Nisto é glorificado meu Pai, que deis muito fruto; e
assim sereis meus discípulos. Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós;
permanecei no meu amor. Se guardardes
os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho
guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor. (Jo
15.8-10) [Ênfase adicionada]
Que o Senhor nos conceda a Graça da
humildade para que alcancemos a perfeição nEle, porquanto, sendo perfeito, Ele nos alcançou a nós (Mt 5.48; Tg 4.10; 1Pd 5.6).
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