O
TEMPO DAS MÁSCARAS
O
Medo tomou o assento mais importante entre os homens. Não hoje, mas
desde sempre. Entronizado, conquistou para si súditos em todas as
eras que esteve presente, aquele que esteve presente em todas as
eras. Seus palácios, erguidos sob o fundamento da ignorância,
tornaram-se os mais visitados, amados e habitados; assombrosos, mas
venerados; lúgubres, mas instrumentalizados com objetos próprios
para os algozes da alma; perversos, mas úteis. Impressiona-me como
uma pandemia ergue, como numa parábola da própria vida, as
condições mais profundas da natureza humana que ainda não
despertou para a verdade; que ainda está encarcerada nas masmorras
do pavor, sem qualquer fagulha de luz para se nortear.
Decretos
em todo o mundo determinam o uso obrigatório de máscaras. Não falo
de decretos recentes, contudo dos mais imponentes, publicados ainda
no tempo onde a história não mais alcança; onde a memória se
dissipou com uma névoa. Falo dos decretos oficializados pelo
moralismo torpe; pelo modismo encantador; pela vaidade velada; pelo
egoísmo maquiado. “Coloquem suas máscaras! É determinante que
não saiam de casa sem essas! A pena de ser visto sem máscara é o
sepultamento do ser; é a prisão do viver! Proteja-se a si mesmo!”
Sinceridade...
Essa palavra encontra uma origem validada por eruditos, e outras
denominadas “etimologias populares”, manifesta por contos que a
tentam explicar. Entretanto, nas duas formas que se apresenta,
validada ou não, não deixa de trazer uma riqueza fantástica e uma
reflexão sublime. A mais aceita, nos informa que o termo se origina
do latim sincerus, que tem
por significado uma “planta que é de crescimento único, sem
enxertos ou misturas”. Já entre o credo popular, dentre tantas
histórias contadas, a palavra quer dizer “sem cera”.
Conforme alguns dizem, na Idade Média as pessoas aproveitavam o
carnaval para praticarem as mais intensas luxúrias, indo a bailes
que tinham por finalidade saciar o desejo lascivo de seus
participantes, que se valiam de máscaras confeccionadas à base de
cera. Essas tinham por objetivo esconder suas identidades. Desse
modo, cresceu-se o entendimento de que uma pessoa sem máscara, era
uma pessoa sincera, sem cera.
Sabemos
que o conto popular é tantas vezes criado como subterfúgio, mas a
sua criatividade alcança um valor peculiar, e nos traz uma mensagem
profunda: num mundo vil, perdido, lascivo, é um desafio inimaginável
apresentar-se sem máscaras. Nesse mundo, a sinceridade é
perigosa; repugnante. No reino do Medo, a verdade é o crime dos
crimes.
Afora
as conjecturas, o fato é que o existir,
num mundo que se alimenta das aparências, depende, cada vez mais, de
máscaras. É a proteção mais básica. É a ferramenta de
“liberdade” dos que são subservientes ao senhor Medo! É a forma
única de tentar se aproximar de outem, rompendo o distanciamento que
o vírus da maldade exige de cada um. É a construção rasa de
amizades e relacionamentos melindrosos, ilusórios, virtuais,
conquanto numerosos.
Há
alguns, porém, que têm uma dificuldade enorme em simplesmente
existir: precisam, mais do que tudo, VIVER! Existir é o que
se faz qualquer um que se rendeu ao senhor Medo; que se deixou ser
marcado como escravo e servo do desespero, da ansiedade, do pânico.
Mas para aqueles para os quais não basta existir, e que rompem os
grilhões impostos pelo Medo, a Vida lhes exige que, antes de tudo,
suas máscaras sejam arrancadas. Seus rostos ficam, então,
desnudados diante do risco que a vida lhes impõe como condição do
que ela é em si mesma. Afinal a vida é o que é: é o risco da
perda; é a certeza da dor; é a sina de sorrir enquanto se é
afligido; é a entrega completa ao amor que tudo sofre, tudo crê e
tudo suporta; é a coragem para apresentar a própria feiura, sem
pudor, e as marcas que foram sendo impingidas no caminho de se viver;
é até mesmo o mergulho na possibilidade da traição, enquanto se
carrega a decisão de perdoar sempre!
Poucos
têm coragem de romper o isolamento sem máscaras. Poucos têm
coragem de apresentar a face marcada sem o medo de se contagiar mais
uma vez pelo pavor. Poucos são os que caminham pelas veredas da
liberdade, que são pavimentadas com a Verdade. Para esses poucos, a
Vida é manifesta! E esses poucos, que conhecem o sabor inigualável
de realmente viver, nunca mais retornam à servidão do Medo...
Espero
muito que você, para além de existir, arranque a máscara e, com
coragem, simplesmente, e sobretudo, VIVA!
Jordanny.