CARTA AOS
IRMÃOS DA ICADI (MINHA CONGREGAÇÃO)
MEUS irmãos, muitos de vós não sejam mestres,
sabendo que receberemos mais duro juízo. (Tg 3.1)
Antes de tudo, devo lhes informar
que o texto abaixo foi escrito debaixo de muitas lágrimas. Cada palavra pesou
em meu coração antes de ser dita e eu sentia aguilhões em minha alma enquanto
escrevia.
Há poucos que me conhecem em minha
intimidade e tento deixar isso sempre assim, pois desse modo fui criado. Desde
cedo recebi dos meus pais, sempre tementes a Deus, ensinamentos básicos e
essenciais à fé. Acompanhei também o meu pai em seu pastorado e, por esse
motivo, ufanei até por volta dos meus 21 ou 22 anos que nunca galgaria o
caminho ministerial. Tenho testemunhas acerca dessa verdade.
O fato é simples: Odiei qualquer
tipo de manifestação de religiosidade, pois sempre enxergava hipocrisia em
grande parte dos atos dos ditos “cristãos”. Odiava, com todo o meu coração,
qualquer menção de que um dia eu poderia tornar-me obreiro, ministro ou
qualquer outra coisa. Meu “chamado” era simples e simplesmente tocar um violão
ou guitarra enquanto recebia elogios pela arte e técnica que me acresciam.
Tocava por prazer! Tocava não para adorar, mas pelo prazer de tocar!
Quando comecei a cursar o ensino
superior, não demorou muito para duvidar de tudo aquilo que se apresentou como
verdade aos meus ouvidos desde que nasci. Para quem não sabe, nasci em berço
evangélico e não de qualquer evangélico, mas de pai e mãe que realmente viviam
a piedade. Mas as minhas indagações sempre foram muito fortes e, sempre que
podia, tentava repudiar grande parte do que meus pais apregoavam como verdade
por meio de alguma atitude rebelde. Até mesmo furei a orelha e deixei os
cabelos um pouco longos! Dá pra acreditar?
Tornei-me ateu em segredo. Isso
mesmo! Se é que pode existir um ateu secreto, eu me tornei um desse tipo. Não
era capaz de me manifestar abertamente como ateu, pois não abria mão de tocar
na igreja. Por muito tempo, tocar na igreja, pra mim, era apenas tocar por
tocar, visto que já não acreditava em muito do que acontecia, de modo que a fé
e a própria existência de Deus se faziam duvidosas para o meu coração jovem.
Algumas vezes chegava até a entrada da faculdade, olhava para o céu noturno e
pensava: Duvido que Deus exista! Fui alimentado, enquanto isso, por uma vasta
literatura que negava a fé de meus pais. Vi-me, assim, cheio de razão para não
crer!
Até que, por meio de
questionamentos, passei a reconsiderar a minha apostasia e, quando percebi,
tornava a crer em Deus com muito mais força do que pudera ter crido. Não
tratarei disso hoje, pois não vem ao caso. Em seguida, já acostumado com alguns
movimentos neopentecostais, vi a minha igreja emaranhar-se por uma via de
doutrinas novas e absurdamente atraentes. Adotamos o modelo celular e começamos
a aplicar o “Encontro com Deus” em nosso meio. Parte dessa narrativa já foi
trazida à “Análise do Encontro”. Pouco tempo depois, voltei-me para a Palavra
e, observando a ordem argumentativa e os abusos doutrinários que havia no
Encontro, tentei confrontá-los um a um.
Isso me custou caro! Mais caro do
que eu poderia imaginar! Durante todo este processo, quando fui percebendo o
que me acontecia, já estava participando do corpo ministerial de minha igreja e,
algum tempo depois, fui ordenado pastor. Logo eu, que sempre odiei a
possibilidade de seguir o caminho episcopal, agora estava ali, sendo ordenado.
Recebi essa ordenação com muita dor! Chorava às vezes por horas diante desse
fato... Uns poucos ficaram sabendo disso! Nunca me vi preparado para o
ministério e assumir um cargo como esse era algo que meu interior sempre
repudiava. Repudio até hoje o título e gosto de deixar bem claro que, antes de
ser pastor, sou homem e dos mais falhos que se possa conhecer.
Entretanto, algo que cresceu junto
com essa ordenação, não foi uma alegria diante do título, mas um choro diante
da responsabilidade. Meu coração se atormenta com angústia profunda e meu corpo
se estremece só de pensar no quanto essa ordenação se faz pesada sobre os meus
ombros! Às vezes o temor me faz fugir para dentro de mim mesmo de uma forma tão
desesperada, que me tira o fôlego! Quantas noites mal dormidas desde a minha
ordenação! Vivo uma constante guerra interior onde ao mesmo tempo me alegro com
cada vida que Deus coloca sob o nosso cuidado, mas tremo ante, justamente, esse
cuidado para que não leve uma vida a um caminho indevido, por conta de uma
mensagem ilusória, vã, fútil, egoísta.
É este zelo que faz ser tão azedo,
tão contundente, tão incisivo, tão irredutível quanto às minhas convicções
fundamentadas na Palavra da Verdade! Amo tanto a cada irmão e irmã da ICADI,
sentindo-me responsável por apresentar suas vidas ao Senhor com pureza. Às
vezes choro só de imaginar que alguém não venha a se achegar a Cristo por conta
de algo que eu preguei, ou pela minha forma de pensar! Não quis o ministério,
mas o Senhor me quis no ministério e isso eu não posso negar!
Antes de experimentar o ministério,
não tinha consciência do peso que aquelas palavras proferidas por Tiago, irmão
de Jesus, percebiam: “Meus irmãos, muitos
de vós não sejam mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo.”. Que
duro juízo poderia ser este? Tornei-me mestre em minha igreja, ensinando e
doutrinando sempre que posso e com tudo o que posso. Mas de que duro juízo este
texto trata? Para mim, particularmente, esse duro juízo já é agora (e escrevo
essas palavras derramando-me em lágrimas e com uma dor inexplicável em meu
interior), presente a cada instante em meu coração, em minha consciência;
sufocando muitas das vezes a minha alma! Este texto que apresento a vocês
certamente é um daqueles que tem carne e sangue; que tem alma, dor e muita
angústia! Todos os dias da minha vida, desde o exercício de meu ministério por
meio da Palavra de Deus, são recheados por interpelações e juízos interiores,
desde os mais brandos até os mais furiosos! Vejo-me às vezes colérico comigo
mesmo a ponto de, literalmente, desejar me esmurrar! É aí que entendo, ainda
que um pouquinho, as dores do apóstolo Paulo:
Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão,
para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo a ser reprovado. (1Co
9.27).
É por isso que rejeito tudo aquilo
que de alguma forma apenas encherá os corações, daqueles que foram confiados ao
meu ministério, de ilusão; ou qualquer pregação que julgo ser fraudulenta,
presto-me a alertá-los denunciando com esmero, temor e tremor! Quando, em
algumas das vezes, percebo em mim vanglória por ter chegado à consciência ou
entendimento de uma doutrina, ou revelação de um texto da Palavra que não é bem
claro a outros, corro para os pés do meu Deus e rogo a Ele que me quebrante,
para que a glória nunca seja minha! Vocês não imaginam o quanto tenho sido
quebrantado!
Não posso coadunar com nada daquilo
que se difere de minha consciência em Cristo e na Sua Palavra! E por isso
reitero, no amor, que me sinto compelido a denunciar os atos fraudulentos e
irresponsáveis daqueles que, por vaidade, recebem o ministério como diversão,
enchendo templos e conquistando vidas para uma ilusão; ou ainda para uma
extorsão em massa! Não! Basta! Será que alguns pastores não percebem que nós
estamos tratando com vidas? São vidas! São pessoas! São almas sedentas da
verdade! São almas sedentas de afago, de carinho, de amor! São crianças tão
desesperadas pela verdade, que se entregam a qualquer um que se mostre um pouco
idôneo, e que afirme que fala em nome da verdade... Não posso coadunar com
isso!
Não brinco de ser pastor! Não!
Nunca! Faço o possível para entender a Palavra da Verdade, interpretando-a
conforme a Graça do Espírito Santo! Eu sei o que sinto e o que sofro! Eu tenho
entendido, dia a dia, o que esse ministério tem me custado... Quem me conhece
sabe, inclusive, que sempre fugi do título (pastor) como a fauna se põe em fuga
diante de uma floresta em chamas! O juízo de Deus já se opera sobre mim, desde
já!
Falo isso às ovelhas que têm sido postas
em nossos cuidados! Amo a vocês de todo o meu coração. Peço a Deus que me tire
deste mundo precocemente, caso eu venha em algum momento tratar com leviandade
a pregação de Sua Palavra; ou que me sustenha até que este serviço seja
terminado, para a Sua Glória! Serei azedo, como voz profética, enquanto o
Senhor me sustentar! Serei apaixonado por este povo maravilhoso que o Senhor
tem colocado aos nossos cuidados e, principalmente, pelo meu Senhor! Tu és o
meu Deus, a Vida da minha vida!
Tudo isso que escrevi a vocês é
testemunhado comigo, no Espírito Santo, em minha própria consciência, conforme
os dizeres dolorosos do doutor dos gentios (Rm 9.1).
É com dor, com pesar, temor e tremor
que encerro minhas palavras desejando a todos, de todo o meu coração, a Paz do
Senhor!
Em Cristo,
Jordanny Silva.