Breve
Reflexão Sobre Jó
E
num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o
Senhor, veio também Satanás entre eles. Então o Senhor disse a
Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, e disse: De
rodear a terra, e passear por ela. E
disse o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque
ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto,
temente a Deus, e que se desvia do mal. (Jó
1:6-8)
O
Livro de Jó, com toda a sua convidativa poesia clássica, recheada
de um sabor oriental, tem como tema central o homem imergido na
condição de calamidade. Mas, antes, é necessário lembrar que o
protagonista do Livro que recebe o seu nome, não sabia que, nos
céus, uma “teodisseia” nascia em torno de sua vida em um diálogo
entre Satanás e o próprio Deus.
Para
nós é muito mais fácil compreender a história de
Jó,
visto que o preâmbulo já nos adiciona essa informação. Contudo,
Jó não fazia ideia de que em uma reunião celestial, a pauta da
conversa era seu nome, sua vida.
Agora,
entenda bem: o próprio Deus testemunhava acerca de Jó, afirmando
que ele era um homem íntegro e reto, temente a Deus e que se
desviava do mal. Ou seja, nós estamos diante do melhor homem de seu
tempo, mas que agora experimentaria uma reviravolta tão profunda e
avassaladora em sua vida, que aniquilaria tudo aquilo de bom que, em
sua bondade, ele conquistou; tudo aquilo de maravilhoso que, em sua
fidelidade, lhe foi acrescido.
E
qual era o propósito disso tudo? Ora! Ao passear por essas páginas
somos apresentados a conflitos interiores dos mais profundos;
angústias que afligiam não só a alma, a razão, as exposições
mais nevrálgicas das emoções, mas também o próprio corpo de Jó,
visto que vai apodrecendo detalhe a detalhe, sopro a sopro, órgão a
órgão, célula a célula. Seu hálito ganha o odor da morte; suas
vísceras se descompõem; seus orifícios tornam-se grandes veios e
rios de pus; vulcões de chagas em completa erupção irrompem por
toda a sua pele. Olhar para Jó era o vislumbre do terror; era
testemunhar um tumor ambulante, asqueroso, assustador. Tão
profundamente deplorável era a sua condição, que seus amigos, ao
contemplarem, se silenciam por sete dias.
Entretanto,
ao sétimo dia, Jó rompe o silêncio e em um grito de angústia fala
a Deus com uma sinceridade avassaladora. São tão chocantes as palavras
de Jó que chegam a parecer blasfêmia; é como estar diante da nudez
sem qualquer pudor. Sim, Jó se desnuda diante de Deus e tendo seus
amigos como testemunhas. Ele expõe sua dor e sua incompreensão
diante da sua lastimável condição. Ele confronta as circunstâncias
de modo tão escandaloso, que deixa seus amigos revoltados com as
suas palavras. E estes, achando deter a arrogante prerrogativa de
defender o próprio Criador, não admitem que alguém fale a Deus
como Jó falou; que alguém erga sua voz aos céus do modo que Jó
ergueu: “amaldiçoado é o dia do meu nascimento e que ele deixe de
existir”!
Então,
em indignação, os seus amigos passam a julgá-lo de modo impiedoso.
A misericórdia se afasta de seus lábios. O silêncio, antes
reverente, é quebrado ante à necessidade de defender suas
“verdades” particulares. Seus argumentos são profundos e de
aparente lógica, mas não se firmam na soma de todos os detalhes que
compõem aquele quadro pintado com cores tristes e escuras. Não
entendiam que, conquanto tenha expressado de modo tão forte o que
sentia, Jó não pecou. E, por isso, passam a condená-lo
temerariamente, afirmando que o resultado de toda aquela calamidade
repousava em algum tipo de pecado. Era a aplicação da lei das
causas e consequências. Não era lógico para eles alguém bom ser
visitado por tamanha calamidade. Não entendiam que Deus tem a mania
de pegar o melhor dos melhores e melhorá-lo mais ainda, para o
louvor da Sua Glória.
E,
enquanto seus amigos aplicavam as leis cármicas que julgavam
universais, Jó comete o erro de tentar se justificar. Note que o
pecado de Jó não foi falar com Deus totalmente desnudado dos
moralismos e praxes litúrgico-religiosas. O pecado de Jó foi
ofender-se e passar a buscar a justificar-se. Esqueceu-se Jó de que
é Deus quem nos justifica (Rm 8.33), e assim passa a defender-se.
Mas
até mesmo em suas defesas vemos a verdade sendo exposta, e as leis
tidas como universais que fundamentavam os argumentos de seus amigos
vão caindo uma a uma por terra. Caem primeiro diante da incapacidade
que eles têm de exercer a misericórdia em detrimento de suas
razões, ou seja: pela hipocrisia impiedosa; depois, caem diante do
inequívoco fato de que a lei de causa e efeito, onde o mal que eu
experimento é necessariamente decorrente do mal que eu faço, não
se aplica a tudo e todos. E Jó revela que já viu justos sofrendo
pela justiça, e seus olhos já contemplaram ímpios prosperando em
sua impiedade. Nem tudo é causa e efeito. O sol nasce sobre todos.
Ah!
E não podemos esquecer que Satanás é citado apenas no primeiro
capítulo do Livro de Jó. Depois não há mais qualquer menção a
Satanás. Isso nos ensina a tratarmos dos nossos dilemas e problemas
mais profundos com quem de fato tem Todo o Poder. Jó não briga com
o Diabo. Nem sequer repreende a Satanás. Jó trata com Deus. Ele
sabe o Deus que Ele serve. Ele o conhecia apenas de ouvir falar, mas
já compreendia Quem era o Seu Deus. Ele sabia, no íntimo do seu
ser, que o Seu Redentor Vive e que por fim, ainda em seus dias de
vida, Ele se levantaria.
O
resultado disso é que em sua indizível dor, Jó salta do lugar onde
ele “O conhecia de ouvir falar” para o lugar “onde os seus
olhos passam a contemplar-Lhe”. E a resposta de Deus sobre a vida do
Seu servo vem em um redemoinho. Vem na forma da tempestade. Vem como
tornado revirando tudo ao seu bel prazer e conforme a Sua vontade!
É
assim que Jó O contempla a partir de agora. É assim o seu olhar é
mudado, visto que Deus não veio para nos dar novos olhos, mas para
nos dar um novo olhar; e não veio para nos dar novas pernas, mas
para nos dar um novo andar; e não veio para nos dar novas mãos, mas
para nos dar um novo agir; não veio para tão somente melhorar as
nossas vidas, mas principalmente para nos melhorar para a Vida.
Entender
isso é imergir na dor, porém, inundado de fé e compreendendo quem
em tudo há um propósito e, se Ele decide melhorar o melhor de seu
tempo, imagine comigo que sou o pior dos pecadores?
Jó
intercede por seus amigos e estes são perdoados. Hoje é o Espírito
Santo que intercede por você. Meu Deus! Você compreende isso? É o
Espírito Santo que intercede por você e com gemidos inexprimíveis;
com uma oração tão inundada do Conhecimento de Deus, que para nós
é impossível discernir.
Não
se desespere no dia da calamidade: apenas confie! O Seu Redentor Vive
e por fim se levantará. Vou repetir: O Seu Redentor Vive, está
assentado à destra de Deus e, por fim, se levantará!
Há tantas outras joias que podemos extrair do Livro de Jó, mas hoje eu
me permitirei encerrar nessas palavras!
NEle,
que tem voz de muitas águas e que nos fala do olho do tornado,
Jordanny.