CONTÁGIO
E, de
repente, parece que o sol nos abandonou. Dias turvos; noites mais
escuras, sem estrelas para nos orientar. À sombra, o medo parece se
erguer como a ponta de uma longa lança, abrindo um vão entre
aqueles que se posicionaram no fronte de batalha; o desespero
sussurra, às portas, a canção da agonia, fazendo brotar a ansiedade
onde antes habitava a quietude. Os flancos imbatíveis de uma
sociedade forte, estruturada, avançada, abastada, rica, globalizada,
parecem ter sido rompidos diante de um inimigo que atravessa
fronteiras, infiltrando-se sorrateiramente no oculto. E, então, a
semente da desconfiança lança suas raízes profundas, impedindo que
abraços, beijos, toques sejam exercidos com a naturalidade que o
afeto lhes propõe. Nossa solidez, nossas convicções, nosso chão
parece ser arrancado de nós e, lançados à deriva, rumamos ao
imprevisível, atacados por ondas bravias, sem visão do cais; sem
um farol que nos guie.
Usamos o
humor como artifício para aliviar nossa preocupação. Mas somos
visitados por aquela sensação de que a dor se avizinha de cada um
de nós. Assim, o nosso asilo vem como uma parábola para a própria
existência: é na solidão, no isolamento que encontramos a saída
para sobrevivermos. Há, porém, vida na solidão? É quando, de
fato, compreendemos que a solidão e o isolamento são tantas vezes
inevitáveis e necessários para que não contagiemos ninguém com a
nossa patente maldade. Hoje, o que nos isola é um vírus pandêmico,
assustador. Mas há outros vírus em nós, que não habitam as
células de nosso corpo, mas que preferem se hospedar em nossa alma,
fundindo-se com o DNA de nossa natureza ou, quem sabe, produzido pelo
próprio DNA de nossa natureza. E esse vírus é infinitamente mais
contagiante que qualquer outro: intoxica quem nos toca; adoece quem
de nós se aproxima; furta o ar daqueles que tínhamos o dever de
amar; mata aqueles que devíamos proteger. É o próprio terror que
habita metafisicamente o nosso ser.
A maioria
das pessoas lê a literalidade daquilo que foi profetizado por Isaías
quando escreveu
“Verdadeiramente
ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou
sobre si...”, e acredita que a fé nos deixará inevitavelmente
ilesos de qualquer chaga física, de qualquer doença que se assente
em nossos corpos. Entretanto, o que não entendem é que Ele veio
como a cura, o remédio, a transfusão de sangue que nos limpa, nos
purifica, nos desintoxica de nós mesmos. Ele é aquEle que nos
arrebata do isolamento, que nos liberta da quarentena e revoga de nós
o afastamento como medida que, antes, nos valíamos para nos proteger
e para proteger aos outros que estimamos. Ele nos contempla com saúde
e vida que são contagiáveis para produzir mais vida. Então, nos
envolvemos de afeto e nos permitimos aproximar, tocar, abraçar,
cheirar, beijar. E os antigos decretos dos “nãos”; as “medidas
provisórias” do afastamento; as “regras” do isolamento são
revogadas, são derrubadas; e não mais nos submetemos ao jugo da
“lei” que fora escrita sob a égide do vírus, sob o tempo do
contágio irrefreado... Agora, somos submetidos à cura da Graça e
somos postos em liberdade, posto que ele nos resgatou da “maldição
da lei, fazendo-se maldição por nós” - fazendo-se o próprio vírus, para
produzir a cura -, “porque está escrito: maldito aquele que for
pendurado no madeiro”.
Agora
podemos sair e novamente contemplar o sol além das nuvens. E nos
orientamos nesse novo amanhecer por meio dEle, que é a
resplandescente Estrela da Manhã, a anunciar o raiar do dia. E somos
tocados pelo calor; e somos acariciados pelo afeto de Sua indizível
Graça.
E
Ele nos encheu de esperança para além dessa vida, conforme o poder
que há em Seu amor, porque o “amor é mais forte que a morte”. E
podemos caminhar por aí infectando tantos outros desse amor que
cura, dessa paz que assusta, dessa liberdade que escandaliza, dessa
vida que intimida...
O
que mais desejo, é que você acesse essa cura, esse antídoto, e que
saia por aí contagiando tantos outros com a Vida que inunda a vida
de todo aquele crê!
NEle
que é a cura que nos livra da morte, e a Vida que nos contagia,
Jordanny.