INCÊNDIO NA “KISS”
INTERIOR
Era madrugada quando o
embalo noturno fazia a alma queimar de exultação! A mesma alegria que incendiava
o ambiente elevava a apresentação da banda que impensadamente quis trazer mais
brilho ao show... Então, acrescido ao espetáculo o vislumbre pirotécnico, o que
era alegria se transformou, em instantes, em medo, desespero e tragédia. O “momento”
mudou as feições e fez dos sentimentos um turbilhão! O show trágico agora se tornou
a luta pela sobrevivência. O tumulto era crescente ante uma saída tão pequena.
As chamas nascidas da pirotecnia inflamam o reforço acústico que tinha como
finalidade principal vedar um pouco do grito, do barulho, da música festiva...
Não havia extintores que o poderiam extinguir; não havia mais reforço acústico
que poderia vedar ou esconder o sofrimento... Gritos; correria; gente
pisoteando gente no afã de simplesmente, e quem sabe, respirar. Não há
escapatória: a saída é pequena demais pra libertar o turbilhão de sentimentos,
de sensações. Não há tempo pra pensar, apenas para sentir o indizível e para
tentar fugir do indescritível!
Lá fora, já em
liberdade, junto ao ar, a tragédia se faz de mesmo modo sufocante e o reforço
acústico de toda uma nação se vê, igualmente, inflamado. A nossa alma é que experimenta a asfixia. Entretanto, o instrumento pirotécnico é a morte de aproximadamente 230 jovens; é o sepultamento de centenas de sonhos e
objetivos; é o enterro da alegria, dos sorrisos, dos choros, das reflexões, da
cólera e de tudo aquilo que, de alguma forma, compõe o ser humano em sua perfeita imperfeição, em sua simples complexidade. Esse foi e é o quadro de
Santa Maria – RS e, também, do Brasil.
Tudo isso nos faz
pensar... No afã de achar a alegria inserta num simples “Kiss” (beijo), a
história e a tragédia vêm se repetindo, e se repetindo, e se repetindo... A
tristeza interior de nossos jovens tem sido tratada por placebo, transformando
justamente esse interior numa boate em ebulição; o reforço acústico do medo, da
ignorância, dos desejos vãos construídos pelo espírito mórbido dessa sociedade
podre, é altamente inflamável e as almas desses meninos e meninas são
constantemente asfixiadas e queimadas ante o desejo pelo prazer imediato; por
uma simples e impensada apresentação pirotécnica.
Alguns, nessa tragédia
diária e anterior a de Santa Maria, saem completamente desfigurados e,
mormente, precisam de um transplante de pele para a pele de suas almas e de
seus espíritos. Aqui surge a alma artificial que tenta minorar a deformidade
estética, mas não esconde as marcas e os estragos de um viver imediatista.
Outros carregam as sequelas das queimaduras que afetam as vias respiratórias e
suas almas ainda respiram por conta dos tubos de uma UTI espiritual, que não
passa de outro mecanismo artificial para se fazer sobreviver; sem, contudo, permitir
viver com plenitude e novidade de vida.
A nossa juventude se vê
deformada, asfixiada, pisoteada por filosofias fúteis, enganosas, inflamáveis,
sem sentido. Nossa juventude se vê perdida em um labirinto escuro; em um
ambiente de ar tóxico, sufocante. Nossa juventude vive tateando
desesperadamente buscando uma saída, passando por cima de quem pode, pisoteando
para tentar respirar o ar da liberdade que, infelizmente, a aprisiona
justamente em um banheiro que sequer tem uma janela para ser quebrada, de modo
a apresentar o lado de fora desse interior de horrores; e ali, junto aos
dejetos e à urina, morre sufocada sem possibilidade de ver a luz de um amanhecer,
ou a refrescante brisa de uma madrugada. É a falta de “kisses” verdadeiros, de
abraços, de afeto e de amor que faz boates como a “Kiss” se encherem de meninos
e meninas que querem, antes de tudo, preencher o seu insaciável vazio interior.
Nossa juventude tem
extrapolado a meia-noite, atravessando a madrugada como se o dia não fosse
raiar. Assim, as atitudes inconsequentes ditam as suas regras e elevam paredes
e tetos enegrecidos, acusticamente reforçados para que o grito verdadeiro do
espírito não possa se exprimir; donde a saída representa um minúsculo espaço de
um labirinto de medo, insegurança e pavor. É o medo do futuro; é a insegurança
do imprevisto; é o pavor do fracasso... Enquanto isso, em tragédias como essas,
vemos que fracassamos em nosso modo de vida; em nossas ambições vãs; em nossa
filosofia vaga e tola.
Quem dera se a chama que
inflamasse os nossos jovens fosse o Espírito Santo que transforma a própria
morte em glória, e a dor em exultação por conta da consciência de se estar sob o
domínio de um propósito maior, soberano e indescritivelmente maravilhoso!
É complicado dizer isso
em um momento de intensa dor, mas todas as coisas contribuem juntamente para o
bem dos que amam a Deus. Que esse lastimável fato nos faça orar pedindo que o
Senhor possa consolar as famílias das vítimas de Santa Maria – RS, mas, antes
de tudo, por nossos moços e moças que todos os dias são asfixiados,
desfigurados e mortos numa “Kiss” interior... É com dor e com lágrimas que
desejo e oro por isso...
Que Deus seja a
esperança dessa nação e dos nossos jovens!
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