sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Aforismos e poesias: lúcidos devaneios - Parte 12
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
A Vitória que Vence o Mundo - Parte 9
CAPÍTULO 7 – O Problema da Fé Deturpada
Quem não já conheceu alguém que, numa espécie de desencargo de consciência, se expressou dizendo: “Estou fazendo a obra de Deus!”? Contudo, no atual contexto evangélico, até que ponto essa expressão alcança verdade?
Nós, que somos cristãos, vinculados à reforma protestante ou mesmo aos demais seguimentos evangélicos, cremos em absoluto que o que salva é a fé em Jesus Cristo, e não as obras. Já foi demonstrado nesse de modo extenuante que, conquanto sejamos salvos pela fé, a finalidade da nossa salvação é as boas obras. Em curtas palavras: não somos salvos pelas obras, mas para as boas obras!
Contudo, há a necessidade de se manter um fundamento doutrinário não só coerente, mas imprescindivelmente decorrente da Palavra da Verdade. São nas Escrituras que encontramos a nossa regra de fé e de prática. Logo, as distorções doutrinárias têm, inequivocamente, alcance negativo na profissão de fé do cristão. Ou seja, uma igreja doutrinariamente fraca, ou mesmo equivocada, gera cristãos imaturos e, muitas das vezes, não salvos em Cristo Jesus: cristãos apenas nominais. Estes não se mostram capacitados a vencer em paciência à provação e têm, mormente, uma visão turva, raquítica, ou equivocada acerca da natureza de Deus. Daí a necessidade de o corpo ministerial de qualquer que seja a denominação evangélica, observar com todo esmero e minuciosidade, se a doutrina apresentada pela congregação está fundamentada na Bíblia Sagrada.
Uma fé errônea desencadeia uma série de atos igualmente errôneos por parte da congregação. Ou seja, a profissão de fé pode até ser sincera, mas não terá uma manifestação efetivamente adequada à boa, perfeita e agradável vontade de Deus (Rm 12.2). E o que normalmente ocorre, é que os crentes dessa igreja passam a enganar-se achando estar fazendo a obra de Deus, mas apenas caminham desenvolvendo-se nas obras da carne. Não obstante, temos visto, ao contrário do exemplo de mansidão e humildade de Cristo (Mt 11.29; Fp 2.5-8), uma crescente arrogância e prepotência no meio dos cristãos.
Junto ao orgulho carnal manifestado por esse tipo de cristianismo, aumenta-se o número de dissensões, facções, intrigas, falcatruas, estelionatos, frustrações e tudo mais que se possa imaginar de ruim no meio das denominações ditas evangélicas. A consequência é um descrédito crescente em relação à fé cristã, principalmente a verdadeira, que se fulcra na inerrante Palavra de Deus.
Mais uma vez a autoridade que nos foi outorgada, enquanto embaixadores de Cristo, se vê abalada mediante, exclusivamente, a um testemunho que, apesar de rogar para si o título de cristão, não passa de carnal. O poder que Cristo nos outorgou, por nossa culpa, tem se transformado em motivo de chacotas em programas de humor, em músicas seculares, em críticas por parte de inúmeros “pensadores” contemporâneos. O próprio nome de Cristo já não gera temor nos corações; pelo contrário, tem se tornado risível ao público secular expressões do tipo: “o sangue de Jesus tem poder”; “em nome de Jesus”. É triste imaginar que chegamos a esse patamar e, por incrível que pode parecer, a culpa reside em um evangelho falsificado, inoperante, arrogante e idiotizado que sai da boca de muitos que se dizem cristãos.
Enquanto isso, quando a fé bíblica é apresentada ao mundo, enfrenta uma barreira na consciência e nos corações. Na mente dos ouvintes incrédulos segue logo uma gama de imagens de tudo aquilo que escandaliza e desonra o nome de nosso Senhor. Tudo isso porque temos profanado o sangue da aliança com uma falsificação do evangelho baseada em nossas concupiscências! Isso me faz lembrar o que nos exorta o escritor de Hebreus:
“De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue da aliança com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça? Porque bem conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo.” (Hb 10.29-31)
O grande problema, e reitero, é que esse “cristianismo” crescente é muito mais atrativo do que o verdadeiro cristianismo, pois vai de encontro direto com os desejos de nossa mente decaída. Enquanto isso, infelizmente, milhões de pessoas não têm encontrado o verdadeiro amor de Cristo, sendo enganadas por falsas promessas, por profecias irresponsáveis que apenas geram decepções.
O bem que devia fluir de nossas vidas por meio do Espírito Santo, é substituído por experiências absurdas; por comportamentos egoístas; por emoções vazias de ação. Tudo isso é vão. São vendavais de doutrinas que atingem ferinamente cristãos imaturos, inconstantes e carnais (Ef 4.14).
A mediocridade desse “cristianismo” é manifesta na crença de que o simples fato de ir à igreja no fim de semana, ou participar de um grupo de jovens, varões ou irmãs, já representa cuidado para com a obra de Deus. Ora, agir assim é como cobrir-se de um manto religioso retalhado que, no fim das contas, não tapa o frio da iniquidade que se opera interna e externamente a cada homem e mulher que habita esta existência aqui. Acreditar, simplesmente, que participar de um ministério de louvor, ou da classe de escola dominical, ou cantar junto com um conjunto de mocidade, ou dançar em um ministério de coreografia congregacional, é estar fazendo a obra de Deus é tão absurdo quanto crer que um câncer no cérebro pode ser curado com a aplicação de morfina: alivia um pouco a dor da consciência, mas não afasta a morte inevitável.
Outros acreditam que fazem a obra de Deus por estar o tempo todo falando para os outros de Deus. Não me posiciono contra a pregação do evangelho em todas as suas formas possíveis, inclusive por meio da arte musical, teatral ou qualquer outra. Mas o que realmente fala ao coração incrédulo é a mensagem do testemunho! Meras palavras acerca de Deus podem não comovem o coração de alguém, mas atitude cristã incomoda; ajunta brasas na cabeça do descrente (Rm 20.21). E da atitude do crente em Cristo deve-se esperar, justamente, o inesperado: o amor (Mt 5.39-48).
Como já dito, a deficiência na compreensão dos fundamentos da fé bíblica apontam para falta de expressão efetiva do cristianismo na atualidade. Alguns podem até argumentar que os evangélicos, no Brasil, têm significativa expressão. Mas essa não é a realidade. Temos, sim, expressão política, quantitativa, comercial. É inegável, por exemplo, que várias cadeiras parlamentares são ocupadas por evangélicos. De mesmo modo, são muitos cristãos atuando em altos cargos da administração pública e do empresariado secular. Contudo, o que esse alcance tem representado no meio secular? Temos refletido a glória de Deus, ou apenas elevado nosso poderio, nosso domínio? Tenho lá as minhas dúvidas.
Para se ter uma ideia, junto às camadas políticas os evangélicos representam bem a defesa dos interesses relativos à igreja. Porém, tenho percebido que não há altruísmo, apenas classicismo. O que quero dizer é que são poucos os parlamentares evangélicos que se preocupam com questões desvinculadas do interesse específico da classe evangélica. Isso já revela que a preocupação do cristão atual é apenas com assuntos relativos ao seu bem estar, ao seu conforto.
Chama atenção dos poderes midiáticos, principalmente televisivos, o aumento perceptível do número de evangélicos. Há poucos anos atrás já somávamos o equivalente a vinte dois milhões de cristãos que professavam a fé evangélica em todo país. Com isso, o nosso orgulho mais uma vez é enaltecido porquanto a nossa expressividade numérica se vê majorada. Entretanto, deveríamos mais uma vez nos gloriar de tudo isso? Com um exército de 22 milhões de evangélicos, que rogam arrogantemente para si uma autoridade exponencialmente superior a dos que estão no mundo, as desigualdades sociais de nosso país não eram para ter minorado de maneira significativa? Se a nossa realidade reflete outro resultado, fica claro como a luz do dia que há algo errado com a nossa fé. Ou seja: ou o problema reside na fé fundamentalmente cristã, que seria então vã, vazia, ineficaz e ineficiente; ou o problema reside em nós mesmos que não a temos compreendido e vivido, pelo menos, em seus princípios fundamentais. A história nos tem convencido de que a segunda alternativa é mais provável. A falha está em nós, em nossa incapacidade de nos examinarmos a nós mesmos, em nossa contumácia em não examinarmos a nossa pragmática religiosa. Essa displicência tem feito com que muitos acreditem ser salvos enquanto caminham, apressadamente, pelo caminho largo.
Essa nova pragmática cristã que busca resultados numericamente visíveis cria uma vasta literatura baseada na ciência humana. São, por exemplo, técnicas empresariais aplicadas ao desenvolvimento da igreja, com estudos específicos, inclusive, na localidade onde se pretende iniciar um trabalho evangelístico. Desse modo, conforme os dizeres dos comerciantes, “o cliente sempre tem razão”. Em outras palavras, já não importa agradar a Deus, mas aos homens. E a expansão desse cristianismo é envolto num sincretismo de filosofias, ideias, métodos, sentimentos, culturas e tudo mais que se possa imaginar. Não faço aqui apologia a um asceticismo pleno, mas convido ao raciocínio acerca do que realmente é conveniente ao verdadeiro evangelho (1Co 6.12; 10.23).
A santidade tão exaltada no texto sagrado é posta de lado por uma conveniência maquiavélica, afinal “os fins justificam os meios”. Se a igreja tem crescido, se as ofertas e dízimos estão aumentando, então está dando certo; se há um notável quórum, estamos assim debaixo da vontade de Deus; estamos, enfim, fazendo a obra de Deus! Seria essa uma verdade? Verdade eu tenho certeza, em Cristo, que não é; porém, é uma realidade lastimável.
Em lugar de santos, em Cristo Jesus, tem crescido o número de estelionatários que se dizem cristãos. Estes trazem uma mensagem apelativa que mexe com a esperança dos espectadores, os quais apostam todas as suas fichas naquela “verdade”; e se não der certo o problema não reside no emissor da mensagem, mas no ouvinte que não teve fé suficiente para receber seu “milagre”. Para clarear o que se pretende argumentar, a pouco mais de um ano assistia a uma reportagem na TV aberta que analisava alguns supostos milagres ocorridos em núcleos pentecostais. Havia um homem que se dizia pastor e que tinha uma filha, ainda criança, que avocava para si dons miraculosos de cura. Pois bem, em uma das reuniões dessa igreja – que por sinal estava cheia de espectadores – se achegou um jovem que era portador de um tumor maligno. O culto se desenrolou como num espetáculo de supostos milagres e curas, ocasião em que foi afirmado que aquele rapaz havia sido curado definitivamente de seu câncer. Ocorre, contudo, que poucos dias depois aquele moço veio a falecer e, quando o pastor foi inquirido acerca desse fato, a resposta foi a seguinte: “Aquele rapaz recebeu a cura, mas não teve fé o suficiente para segurar aquela cura”. Fiquei tão estupefato com aquela afirmação, que me deu vontade de exigir, como cidadão, a prisão daquele homem que se dizia pastor. Ora, então, após ter sido garantida a sua cura de modo irresponsável, a morte daquele rapaz ainda era sua culpa, por não ter segurado a cura por meio da fé?
É assustador imaginar que esse tipo de pregação alcança um número extremamente maior de espectadores do que o verdadeiro evangelho. Ao mesmo tempo, para quem tem um mínimo de inteligência – e, com segurança bíblica, posso afirmar que os filhos das trevas são mais prudentes que os filhos da luz (Lc 16.8) – esse tipo de cristianismo é nauseante, tanto para os que participam da Igreja de Cristo, quanto para os que estão de fora.
Por outro lado, a fé em Cristo não se apresenta por emocionalismo apelativo e irracional, ou por métodos complicados e extenuantes. Representa, sim, atitudes espirituais: palavras cheias de discernimento (1Co 2.14-16); ouvidos mais atentos do que bocas displicentes (Tg 1.19); línguas voltadas a bendizer até mesmo àqueles que nos maldizem (Tg 3.2-10; 1Pe 3.9,10); olhos purificados, distantes do julgamento temerário (Mt 7.1; 6.23; Lc 6.37; Tg 4.11; Jo 7.24), voltados, porém, para o que edifica; mãos estendidas a quem necessita de ajuda, pois esse é o próximo a quem Deus nos oportuniza amar (Lc 10.27-37); guardar e perseverar na doutrina, e na oração e no partir do pão (At 2.42); não ultrapassar o que nos diz a Palavra da Verdade (1Co 4.6); crescer, dia após dia, na graça e no conhecimento de Cristo (2Pe 3.18). Tudo isso que foi citado importa, inequivocamente, na obra de Deus. Esta, por sua vez, não se manifesta como um seguimento religioso moralista confinado a quatro paredes, mas como um caminho a ser percorrido por todo salvo em Cristo Jesus, e de alcance incalculável neste mundo decaído! Glória ao nome do Senhor!