Capítulo 2 –
Andando; detido; assentado.
Quando estava em Éfeso, por três
meses Paulo pregou na sinagoga. Contudo, o apóstolo encontrou uma dificuldade no
discipulado, dado ao fato de que alguns desobedientes,
endurecidos e detratores do Caminho, estavam próximos dos novos crentes. O que o
apóstolo fez? Retirou-se do meio deles
e separou os discípulos para
doutriná-los (At 19.9). Paulo não se preocupou com o número reduzido de
discípulos, que era de aproximadamente doze. Ao contrário, foi perseverante em
exortá-los pelo prazo de dois anos (v. 10). Essa atitude fez com que a palavra
alcançasse o ouvido de todos os que habitavam na Ásia, tanto judeus como gregos
(v. 10). Entretanto, quais os princípios observados pelo apóstolo nessa decisão
de separar os discípulos? Para entendermos, precisamos ler e refletir o texto
abaixo:
BEM-AVENTURADO o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei
do SENHOR, e na sua lei medita de dia e
de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a
qual dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão, e tudo quanto
fizer prosperará. Não são assim os ímpios; mas são como a moinha que o vento
espalha. Por isso os ímpios não subsistirão no juízo, nem os pecadores na
congregação dos justos. (Sl 1.1-5) [Ênfases adicionadas]
Lendo este texto, percebemos que a
grande verdade, é que Paulo sabia que aquela influência maligna, daqueles
ímpios, pecadores e escarnecedores que frequentavam a sinagoga, certamente
deterioraria tudo o que ele ainda pretendia construir, pelo Espírito, por meio
do discipulado. Hoje não é diferente. Grande parte das pessoas que nós vemos
segregadas – por vontade pessoal e não porque alguém os segregou – e
desanimadas com a obra de Deus, vivem em constante contato e relacionamento
irrefletido com ímpios. O salmista, no trecho citado acima, apontou três
atitudes desastrosas que normalmente os cristãos têm exercido. Apontaremos cada
uma das três.
Andam no
conselho dos ímpios.
Há uma grande dificuldade de o
cristão entender quem vem a ser o ímpio.
Essa compreensão, entretanto, é crucial. Sem ela, não há como respeitar a
instrução do salmista. Pois bem, ímpio não é aquele ser malvado, um quase serial killer espiritual; um psicopata
da fé. Não! O ímpio é o indivíduo que não guarda o temor a Deus, vivendo
irreligiosamente. O termo “ímpio” é constituído do prefixo “im”, que denota
negação, ou ausência de algo/qualidade; e do sufixo “pio”, que aponta para a
característica de alguém devoto, religioso. Logo, ímpio é o oposto de piedoso.
Qualquer ser humano que vive distante da devoção a Deus, com todas as
implicações da verdadeira religião que dali decorre, é considerado ímpio.
Entenda algo: quando afirmo que todo
homem ou mulher que vive essa condição enquadra-se nas características de um
“ímpio”, aponto, inclusive, para aqueles que se dizem crentes no Senhor Jesus.
Aponto também para mim, e para você, pois se andarmos distantes da devoção a
Deus, somos ímpios e, estar debaixo de nosso próprio conselho é uma atitude
nociva! Qualquer um que se diz servo de Deus tem que manifestar,
inequivocamente, as características presentes no Mestre Jesus. Ou seja, deve
buscar aprender do [e no] Senhor a mansidão e a humildade (Mt 11.29); deve
manifestar a fragrância do perfume de Cristo (2Co 2.14-17); deve frutificar no
Senhor Jesus (Jo 15.1-6, 16); deve ser um esboço das características do fruto
do Espírito (Gl 5.22); deve caminhar na prática das boas obras (Ef 2.10; Tg
2.16), apontando e refletindo assim a verdadeira religião (Tg 1.26,27) etc. É
evidente que, dificilmente, se encontrará um cristão perfeito em tudo isso.
Mas, os verdadeiros discípulos de Jesus, caminham nesse sentido:
Para ver se de alguma maneira posso chegar à
ressurreição dentre os mortos. Não que já a tenha alcançado, ou que seja
perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por
Cristo Jesus. Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma
coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para
as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana
vocação de Deus em Cristo Jesus. (Fp 3.11-14)
Entende-se, pois, claramente, que
qualquer homem ou mulher que não manifesta aquelas características, se encaixa
no texto bíblico como ímpio. E é do
conselho desse indivíduo que devemos fugir. Assim Salomão nos exortou:
Deixai os insensatos e vivei; e andai pelo caminho
do entendimento. (Pv 9.6)
A vida exige de nós inteligência nas
tomadas de decisões. E o servo de Deus não deve permitir-se ser enganado pelo
conselho daqueles que não guardam o temor do Senhor, ou mesmo que se afastaram
de Sua presença por causa de seu orgulho. Ao discípulo prudente, portanto, não
cabe seduzir-se pelo conselho dos ímpios. Lemos ainda, na Palavra, o seguinte:
Os pensamentos dos justos são retos, mas os conselhos dos ímpios, engano.
(Pv 12.5) [Ênfase adicionada]
Permita-se ser aconselhado, por
exemplo, acerca de problemas de relacionamento com um lascivo, que está
entregue aos seus desejos carnais; em breve você estará atolado em pensamentos
pecaminosos e, quando menos esperar, já estará afundado em sua própria
concupiscência! Deixe que um orgulhoso e arrogante te aconselhe acerca de como
você deve lidar com sua esposa ou marido, ou mesmo com seu patrão, em seu lugar
de emprego; em pouco tempo você estará divorciado e desempregado. Permita que
um rebelde lhe ajude com um problema de comunicação que você tem com os seus
pais; em pouco tempo no seu lar não haverá paz, mas será contemplado por
tempestades, tornados e turbilhões de conflitos! Permita-se aconselhar-se com
uma pessoa afastada da igreja por arrogância e orgulho acerca de alguma atitude
em relação a sua liderança espiritual; em breve você experimentará uma frieza
espiritual e um desânimo profundo em relação à fé, e ainda será capaz de culpar
seus líderes por isso!
Os conselhos dos ímpios são
fundamentados no orgulho, na prepotência, na arrogância, na raiz de amargura.
Por isso são enganosos! Encontram inspiração no próprio pai da mentira (Jo
8.44). Viva debaixo do conselho dessas pessoas que o desastre será cataclísmico
em sua vida. O problema é que há muitos que se dizem cristãos, mas vivem uma realidade
completamente dispersa do significado de ser cristão. São essencialmente carnais
e de aparência de piedade, conforme o próprio apóstolo Paulo os denuncia:
Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e
dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens?
(1Co 3.3) [Ênfase adicionada]
E novamente:
Porque haverá homens amantes de si mesmos,
avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães,
ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores,
incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados,
orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando
a eficácia dela. Destes afasta-te. (2Tm 3.2-5) [Ênfase adicionada]
O que se vê regularmente em nossos
templos é um grande grupo de irmãos e irmãs que tem sido levado pelos conselhos
de pessoas impiedosas que se passam por piedosas. A Palavra nos exorta a nos
AFASTARMOS dessas pessoas (2Tm 3.5). Estas vivem segundo a sua própria hipocrisia,
enganando e sendo enganadas (2Tm 3.13). Fuja, igreja, de perto dessas delas.
Elas se achegam cheias de mágoas; não conseguem, sequer, enxergar seus próprios
erros. Lançam a culpa de seu esfriamento em tudo e todos, mas não caminham para
o arrependimento. Estão arraigadas próximo aos lagares amargos do
ressentimento! Afastar-se é um imperativo, uma ordem; não uma opção!
Detido no
caminho dos pecadores.
O verbo “detido”, aqui, tem uma
profunda inferência; isso porque, como igreja do Senhor e arautos do Rei Jesus,
nós temos o dever de nos achegar aos pecadores com a mensagem de arrependimento
anunciada pelo evangelho (Mc 16.15,16; Mt 28.19, 20; Rm 10.15). Jesus foi o
nosso grande exemplo! Ele não perdia uma oportunidade de cruzar o caminho dos
pecadores. Para se ter uma ideia, Cristo firmou seu domicílio justamente em
Cafarnaum (Mt 4.13). Porém, por que o Mestre quis habitar nessa cidade? O fato
é simples: aquela região é apontada pelo profeta Isaías como “a região da
sombra da morte” (Is 9.2; Mt 4.16). Era ali que a Luz deveria brilhar.
Logo, não devemos fugir dos
pecadores, tampouco dos ímpios. Afastar-se não é fugir! Pelo contrário, estes
devem ser alertados e convidados ao arrependimento. Mas há uma grande diferença
entre CRUZAR o caminho dos pecadores, a fim de ensiná-los, e DETER-SE em seus
caminhos. O que temos visto atualmente, e por isso a igreja está doente e
dormita, é que grande parte dos crentes não somente cruza o caminho dos
pecadores, mas ali si detém. Por que, porém, os crentes têm se detido neste
caminho? A grande resposta já foi dada anteriormente: Porque andam segundo o conselho dos ímpios! Uma coisa leva,
inevitavelmente, à outra. Você começa se aproximando de alguém para ajudá-lo,
quem sabe; em pouco tempo de conversa você já se silencia e começa a ouvir suas
reclamações e seus conselhos; logo mais, as suas práticas pecaminosas já se
revelam atraentes e o pecado vem jazendo à porta (Gn 4.7) do coração; alguns
instantes mais, e você estará com a mente e o coração infestado de toda
podridão. É fato: você estará, efetivamente, no caminho dos pecadores! Seu
coração estará repleto de orgulho; de amargura; de razão humana; de desejos
pecaminosos.
O problema é que o caminho dos
pecadores é atraente à carne. Não exige sacrifícios, nem negação (Rm 12.1; Lc
9.23, 24). Por isso é chamado de “caminho espaçoso” (Mt 7.13). Por que este
caminho é espaçoso? Porque é feito para transitar por este todos aqueles que
têm o ego inchado; aqueles que não são capazes de se esvaziar; são os
“gorduchinhos” espirituais; está repleto de seres humanos ensimesmados. A porta, ao final deste caminho, é larga, pois deve
ter espaço para que passem por ela homens e mulheres cheios de si. Mas, quão
triste é esse caminho e quão belo é o Bom Caminho (Jo 14.6)! Deixe-se
conquistar por Ele! Ele se deu por você e é a porta para a sua salvação (Jo
10.7)!
Assentado à roda
dos escarnecedores.
Assentar-se à roda dos
escarnecedores é talvez o ponto mais baixo que alguém pode chegar concernente à
degradação espiritual. O escárnio, a zombaria é o clímax da insensibilidade e,
por incrível que possa parecer, é mais comum do que se imagina. Quando o Senhor
Jesus foi conduzido para ser açoitado e, logo mais, crucificado, mesmos cientes
de que não havia culpa nEle (Lc 23.4,22), aqueles soldados se insensibilizaram
e o escarneceram (Mt 27.29). A dor que o escárnio gera transpassa a carne; açoita
e mutila a alma.
Quanto a esse terrível pecado, Paulo
nos adverte:
Não erreis: Deus
não se deixa escarnecer; porque tudo o
que o homem semear, isso também ceifará. (Gl 6.7) [Ênfase adicionada]
O verso citado acima é parte da
revelação de um princípio: a lei da semeadura. A partir desta, tudo que o homem
planta, inevitavelmente, ele colhe. De mesmo modo, o texto nos informa que a
semente de maldade, do erro, do pecado é indubitavelmente escárnio perante
Deus. Assim, todas as vezes que semeamos o mal, estamos zombando de Deus, como
se Ele não tivesse poder para nos impedir; ou mesmo, como se não houvesse risco
algum nesse ato. Assisti, certa vez, a um episódio do famoso desenho animado
Tom & Jerry. Ali, o gato colocava um monte de ratoeiras com pedacinhos de
queijo para conseguir pegar o rato. O ratinho, por sua vez, passava coletando
os queijos das ratoeiras, dançando e rodopiando, como se tudo aquilo não
oferecesse risco algum. Era engraçadinho, vê-lo zombando da cara do gato que
não o conseguia, de forma alguma, surpreender com aquela armadilha. Isso
acontece conosco da mesma maneira, porém, em relação a Deus. Brincamos e
zombamos dEle enquanto nos atolamos em pecado. Rodopiamos diante do erro com
uma dancinha escarnecedora e irritante; com um comportamento sarcástico e
pensamos que nada nos poderá acontecer. Mas a ratoeira [o salário do pecado]
está posta; e Deus não se deixa escarnecer (Rm 6.23).
Mas, como se conceber,
convictamente, que o escárnio é o mais baixo nível de degradação espiritual? No
texto bíblico citado no preâmbulo desse capítulo (Sl 1.1-5), o salmista,
inspirado pelo Espírito Santo, apontou para uma sequência de atos de modo que o
primeiro vai conduzindo ao segundo, e o segundo, inevitavelmente, ao terceiro.
Já entendemos que há uma correlação lógica entre andar segundo o conselho dos ímpios e se deter no caminho dos pecadores. Ocorre, porém, que aquele que se
detém no caminho dos pecadores, com o tempo, acostuma-se a essa realidade. É o
que Paulo chama de “consciência cauterizada”:
MAS o Espírito expressamente diz que nos últimos
tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a
doutrinas de demônios; pela hipocrisia de homens que falam mentiras, tendo cauterizada a sua própria
consciência (1Tm 4.1,2) [Ênfase adicionada]
Aí reside o grande problema! Uma vez
que a consciência está cauterizada no pecado, virtudes como a fé e o temor do
Senhor dão lugar a um comportamento de zombaria e escárnio. Lembrando que
escarnecer não significa zombar expressamente de Deus; mas sim, zombar dEle por
meio de atitudes comportamentais coniventes a um viver pecaminoso. É a tradição
do erro e da vã maneira de viver:
Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como
prata ou ouro, que fostes resgatados
da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais,
mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e
incontaminado (1Pd 1.18,19)
Assim, o costume no pecado, é
escárnio diante de Deus e contra Ele.
Destes
afasta-te!
Certa vez constituí um novo
amigo. No início de nossa amizade, tudo estava bem. A sua companhia
aparentemente me fazia bem. Mas com o tempo e mais intimidade, algo começou a
me incomodar. O fato é que esse rapaz começava a contar diversas de suas experiências
pecaminosas, e tentava me convencer que algumas delas eram normais e
justificáveis. Algum tempo depois, todas as vezes que ele vinha conversar
comigo, começava a me sentir mal, enojado. A minha alma começou a adoecer.
Tiveram até vezes em que o hospedei em minha casa. Mas tive que cortar essa
relação quase que abruptamente. Se não fizesse isso rapidamente, sinto que meu
ser se afundaria.
De mesmo modo, o convívio contínuo e
imaturo com ímpios, pecadores e escarnecedores, certamente poderá influenciar o
crente e abalá-lo espiritualmente. São em “rodas de amigos” que nos pegamos
falando coisas indecentes e indevidas; alimentando pensamentos vãos;
assimilando orientações e conselhos degradantes e inconvenientes. O apóstolo
João também nos adverte nesse sentido:
Olhai por vós mesmos, para que não percamos o que
temos ganho, antes recebamos o inteiro galardão. Todo aquele que prevarica, e não persevera na doutrina de Cristo,
não tem a Deus. Quem persevera na doutrina de Cristo, esse tem tanto ao
Pai como ao Filho. Se alguém vem ter
convosco, e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o
saudeis. Porque quem o saúda tem parte nas suas más obras. (2Jo vv.
8-11) [Ênfases adicionadas]
A advertência acima é chocante. Mas
o motivo da preocupação do apóstolo é para que os crentes não adoeçam. Há
amizades que nos adoecem. Há convívios que nos arrancam a leveza de espírito e
nos conduzem a um pesar de consciência. Há relacionamentos que nos afastam da
Graça, do Conhecimento, da Santidade e da Glória de Deus.