segunda-feira, 22 de abril de 2024

Andando, detido e assentado...


ANDANDO, DETIDO E ASSENTADO

 

BEM-AVENTURADO o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão, e tudo quanto fizer prosperará.

Não são assim os ímpios; mas são como a moinha que o vento espalha. Por isso os ímpios não subsistirão no juízo, nem os pecadores na congregação dos justos.

Porque o SENHOR conhece o caminho dos justos; porém o caminho dos ímpios perecerá. (Salmos 1:1-6)

 

          As bem-aventuranças sempre fizeram parte do repertório divino. Mas, assim como há um contraste entre céu e inferno, dia e noite, verão e inverno, gelo e fogo, as bem-aventuranças acompanham seu típico antagônico.

 

Nesse texto, que inaugura as poesias e cânticos registrados nos Salmos, vemos que há três verbos que em sua forma negativa – ou seja: na forma de um não fazer – acompanham as bem-aventuranças: andar, deter e assentar. Os três são seguidos de exortações para a vida; de conselhos para se atravessar a existência em prosperidade. Porém, aqui não se trata da prosperidade exaltada pelo American Dream: antes, trata-se da prosperidade que habita a mente, o coração, a consciência; trata-se da prosperidade que semeia paz e colhe a tranquilidade; que semeia a humildade e a mansidão e colhe o refrigério para a alma; que semeia a verdade e colhe a integridade; que semeia a fidelidade e colhe a lealdade; que semeia a disciplina e a abnegação e que colhe a consequente vida; que semeia a retidão e colhe a justiça.

 

O Conselho dos Ímpios

 

“BEM-AVENTURADO o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios” (Salmos 1:1a)

 

          Para o salmista, o conselho dos ímpios é uma forma de caminhar; é o passo, o compasso, o tempo, o jeito, o modo. O conselho dos ímpios implica também na direção: é a bússola viciada, cuja agulha já não aponta para o norte. Relembro-me do famoso filme Piratas do Caribe, onde o personagem Jack Sparrow passa grande tempo com uma bússola que não indica o norte, mas apenas o seu maior desejo, que pode ser um tesouro de valor incalculável, a imortalidade, a fama flamejante que queimará nos sete mares, ou até mesmo uma garrafa de rum.

 

Muitos podem romantizar a liberdade que uma bússola que aponta para os nossos mais secretos desejos produz, entretanto, esquecem-se de que, perdidos no despropósito de ser, tendo a identidade dissolvida pelos próprios desejos vãos, passamos, em verdade, a navegar à deriva em um mar revolto, com ondas bravias, numa agitação que ao acender a adrenalina também conduz à inevitável morte. A aventura de se navegar sem rumo certamente conduzirá ao pavor, ao desespero e à perdição.

 

          Romantizar o conselho dos ímpios, que arrogam para si serem os detentores da imaginação mais pulsante e criativa, reflete a mais desastrosa das doutrinas humanas. Como já disse, é a dissolução do próprio ser em virtude da perda da orientação natural que habita no propósito de existir. Sem propósito, sem direção, em pouco tempo a alma se vê desolada, e se consome inteiramente ante a fome existencial. Aos poucos os efeitos da inanição passam a dissolver as emoções, o intelecto, a própria razão. O conselho dos ímpios tem esse viés romântico, obcecado pelas sensações, porém é vazio e escuro; representa navegar sem nem mesmo ter as estrelas como guias; é tatear no completo breu, sonhando com um mísero rastro luz para reencontrar o caminho.

 

          O conselho dos ímpios se reveste da capa da verdade e da piedade, mas nega a sua eficácia. Por baixo de sua sobrepeliz pomposa, ornada com bordados reluzentes como o ouro, há uma pele com úlceras profundas encobertas pelo orgulho, arrogância e prepotência; há tumores purulentos que exalam o cheiro fétido e nauseante da deterioração do ser.

 

O conselho dos ímpios evoca para si as mais atraentes doutrinas; apostam nas próprias obras para a redenção, pois fora da caridade não salvação; mas no fim revelam-se um emaranhado de fios embolados, embaraçados; são teias terríveis; são armadilhas nutridas pela perversidade do próprio diabo com a finalidade de nos sequestrar, aprisionar e nos devorar.

 

O Caminho dos Pecadores

“...nem se detém no caminho dos pecadores” (Salmos 1:1b)

 

          Em seguida temos o segundo verbo: deter-se. O salmista não diz que os nossos pés, em alguns momentos escorregadios pela natural e odiosa inclinação da nossa carne, estão isentos de adentrar no caminho dos pecadores. O fato é que todos nós pecamos sempre e de alguma forma. Conforme Paulo nos advertiu, o pecado habita em nós (Romanos 7:17). Agora, o grande problema é deter-se nesse caminho; é fazer desse caminho a sua estadia. Deter-se no caminho dos pecadores é decidir não se arrepender; é conforma-se com o próprio erro; é acomodar-se ao mal.

 

Para o apóstolo dos gentios o pecado habita em nós nos compelindo muitas vezes a fazer o que não queremos. Agora, deter-se no caminho dos pecadores, para muito além de ser habitado pelo pecado, é passar a habitar o pecado; é firmar residência onde o erro é a regra; é rejeitar a santidade e mergulhar na podridão; é confortar-se com o ofício do cuidado de porcos, conforme lemos na parábola do Filho Pródigo, e lançar-se às bolotas e lavagens nojentas com um desejo voraz, deixando a fome e os instintos primitivos dominarem o ser.

 

Deter-se no caminho dos pecadores é curvar-se à obstinação do coração podre, já incapaz de sentir o próprio odor, de enxergar a própria sujeira, de perceber o próprio estado degradável. Ao exemplo disso, dentre os estágios de putrefação de um cadáver, de modo resumido, temos uma sequência: há o estágio inicial, onde ele fica enrijecido; depois ele vai se inchando, em face dos gases que se formam em seu interior, enquanto uma circulação sanguínea póstuma acontece, já que há uma pressão decorrente desse inchaço que evidencia várias de suas veias. Em seguida, o cadáver passa a expelir esses gases e cada vez mais vão agindo vermes e bactérias que o consomem inteiramente. Por fim, vão ficando apenas restos, retalhos de pele e ossos até, por fim, não sobrar nada. Assim também é a condição daquele que se detém no caminho dos pecadores: morto em ofensas e em pecados, vai enrijecendo-se, com seus tendões e musculaturas tornando-se inflexíveis; depois vai inchando-se pelo orgulho, arrogância e incapacidade de arrepender-se; esse inchaço faz com que haja uma suposta circulação sanguínea, mas o sangue choco e podre que fica exposto pelos mapas venais evidenciados, esconde a podridão de vermes que o consomem até não sobrar nada. Deter-se no caminho dos pecadores é, de fato, decidir pela autoextinção; é tornar-se o evento cataclismo de destruição do próprio ser; é instalar, em si mesmo, o dispositivo de implosão que não destruirá somente a si, mas também a muitos que o cercam.

 

A Roda dos Escarnecedores

“...nem se assenta na roda dos escarnecedores.” (Salmos 1:1c)

 

Por conseguinte, o verbo escolhido pelo salmista é “assentar”. Assentar representa acomodar-se confortavelmente. Assentar-se à roda dos escarnecedores e permitir se aliançar àqueles que convertem a compaixão e a verdadeira piedade em escárnio perverso. É assentar-se à roda daqueles que riem da fé; que caçoam da confiança plena no Deus misericordioso, justo e soberano. Os escarnecedores têm o sarcasmo e a irreverência como instrumentos de sua arte perversa. É o círculo da perversidade, onde todos não conseguem olhar para fora daquela bolha em que se acomodaram. Olham uns aos outros e se admiram como os mais iluminados, como os mais dotados de intelecto. São formados na academia do orgulho e do egoísmo; escondem-se atrás de seus títulos e fazem pouco caso de qualquer outro que encontrem no caminho.

 

Foram os escarnecedores que esbofetearam o maltrapilho Cristo; que O cuspiram a face; que lhe feriram com porretes; que zombaram daquEle que só fez o bem. Foram os escarnecedores que converteram seu sarcasmo em ódio aterrador e se divertiram enquanto o Sangue Inocente era derramado, enquanto os cravos penetravam suas mãos e pés e que se regozijaram quando por fim Ele expirou.

 

A roda dos escarnecedores é a reunião da prepotência; é o palco da zombaria e da blasfêmia. A roda dos escarnecedores é o altar da apatia e do prazer de ver o sofrimento alheio. A roda dos escarnecedores é faculdade dos arrogantes, é a cátedra dos orgulhosos. A roda dos escarnecedores é o templo onde são adorados os deuses do “eu”; é o panteão dos ególatras. Na roda dos escarnecedores está posta uma mesa onde o próximo é devorado, onde a reputação dos santos é consumida e destruída.

 

O que se assenta à roda dos escarnecedores já está envolto no encantamento que as palavras de zombaria e de pretensa superioridade intelectual produzem, e que, porém, são vazias de verdade, de fidelidade, de misericórdia e de retidão. Assentar-se à roda dos escarnecedores é encontrar um lugar cômodo e confortável para alimentar a própria perversidade.

 

O Prazer na Lei do Senhor

“Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite.” (Salmos 1:2)

 

          Certa vez o apóstolo dos gentios afirmou que o “cumprimento da lei é o amor” (Romanos 13:8-10). Já inicio dizendo isso, pois não temos aqui o desejo de recosturarmos o véu que a Graça rasgou de cima a baixo. Conscientes disso, enquanto nos abstemos daquilo que o primeiro verso nos adverte passamos a caminhar em sentido contrário e isso se torna necessariamente o nosso prazer.

 

          O amor é um caminho (1Co 12:31b). E como caminho exige de nós movimento; exige de nós o andar. O caminho existe para ser trilhado; é o seu propósito. O caminho existe para nos conectar a outro lugar. O amor como caminho é também a conexão ao próprio Deus, que é amor. É importante entender, antes de tudo, que Deus não é mera expressão de amor; não é ação objetivada a amar: Deus é amor. O amor compõe a Sua substância, ainda que não tenhamos condições de discerni-la. Por isso, nem ao amor conhecemos em profundidade, enquanto limitados a essa condição corrupta e imperfeita (I Coríntios 13:10,12). E esse é um caminho de prazer, de alegria plena, de vida superabundante.

 

          Meditar na lei do amor significa refletir nas implicações que o cercam: a abnegação; o sacrifício; a entrega desinteressada; a devoção; o sofrimento; o suportar; a esperança consciente, resoluta, firme e inabalável; o próprio crer. Meditar na lei do amor é ler e reler o espírito mais profundo do Evangelho; é ser penetrado pelo olhar de Cristo, por Sua vida, por Seu testemunho, por Sua morte, por Sua redenção. É ser traspassado pela Sua Palavra e agonizar ante a consciência da nossa própria maldade, profunda, asquerosa, impiedosa, mas que alcança o perdão absoluto. É chorar amargamente pelo seu próprio mal; e chorar constrangido ante a redenção.

 

          A partir dessa meditação, e quanto mais se aprofunda nessa meditação, mais as raízes do ser são nutridas pela vida que vem das fontes que passam a jorrar em nosso interior. O salmista diz que seremos como árvores plantadas junto a ribeiros, que dá fruto no tempo certo e que suas folhas estão sempre verdes e frondosas (verso 3). E aqui nós entendemos que a árvores não existe para si mesma. Em outras palavras, a sua vida passa a ser aconchego e sombra para o próximo. Passarinhos e mais e mais vidas passam a habitar essa árvore. Ela se faz alimento para o necessitado; sombra para o cansado; abrigo para o aflito; repouso para o desesperançado. A sua vida, como árvore frutífera, passa atrair àqueles que têm sede de vida e, não somente isso, mas a sua vida se torna ponto de referência para águas e fontes de vida.

 

          Já os ímpios refletem apenas a sua sequidão; a devassidão do próprio ser. São como a moinha que o vento espalha; são restos daquilo que foi debulhado; são apenas os resíduos de uma existência dissoluta e sem propósito. Ao contrário de uma árvore planta junto a ribeiros, ao ímpio basta um sopro é lhe arrebatar e para desfazer o que ele julgou importante; uma brisa é suficiente para desfazer o que acreditam ser sua edificação. A sua prosperidade, a sua alegria, o seu ânimo, e a sua esperança desfazem-se com uma leve ventania. E é justamente por isso que não subsistem no juízo. O juízo é fogo, e a moinha nada mais é que combustível para o fulgor da Ira de Deus contra a maldade e contra a perversidade. O ímpio é, assim, alimento para que o juízo de Deus se manifeste.

 

          Por fim, o salmista nos diz que o Senhor conhece o caminho dos justos (verso 6-A). Ele sabe a rota; Ele sabe os desafios; Ele traçou o rumo; Ele é também o GPS, a bússola, o norte; Ele é o Sol que nos indica a direção; basta que coloquemos os nossos olhos nEle e nos guiemos por Sua Palavra, que é lâmpada para os nossos pés e luz para os nossos caminhos (Salmos 119:105).

Contudo, o caminho dos ímpios perecerá, visto que é em si mesmo, e como já dito, a sina da própria destruição.

          NEle, que é amor, que é o Rio da Vida, que é a fonte,

 

 

          Jordanny.

 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Restauração X Transfomação

 


Então, os que estavam reunidos lhe perguntaram: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? (Atos 1:6)

 

          Nós estamos diante de Cristo que, mesmo tendo padecido na cruz, apareceu vivo com muitas provas incontestáveis. Durante quarenta dias, já ressuscitado, E falou das coisas concernentes ao reino de Deus. Ainda assim, a preocupação daqueles que o viram ressuscitado, era se ele restauraria o reino a Israel; era uma preocupação político-temporal; era uma preocupação terrena.

 

          É preciso entender melhor o que aconteceu:

 

Três anos fazendo, ensinando e realizando milagres, os discípulos do Senhor olharam para todo o poder que emanava daquele homem, simples em viver, mas poderoso em ações e palavras, e o sonho da restauração, tantas vezes prometido pelos oráculos do Senhor, pulsavam em seus corações. Jesus era o Messias e os sinais, os ensinos, a autoridade e tudo que acontecia em volta dEle revelavam isso.

 

          Entretanto, após a última ceia, eles veem seu mestre sendo levado preso e agora ele não apresenta qualquer resistência. Outrora, Ele tinha o poder de desaparecer no meio da multidão (João 8:59 ARC), mas agora, ele se mantinha inerte, silente, aceitando os açoites, os escárnios, os espancamentos, as falsas acusações. Antes, com autoridade Ele apontava a hipocrisia dos fariseus; agora Ele decide calar-se. É o cordeiro mudo levado ao matadouro. Os discípulos olham à distância o homem em quem depositaram tanta confiança sendo brutal e covardemente maltratado, moído; e isso lhes corta coração num misto de medo, de decepção, de tristeza, de sensação de impotência. Então Ele é levado ao vitupério; e é colocado fora da cidade. Entenda isso: como bode expiatório onde depositam a culpa, ele é mandado para fora da cidade e ali é também o local onde Ele é imolado.

 

          Os discípulos assistem, mas não entendem, conquanto Ele tenha dito tantas vezes que isso se sucederia. Apenas veem suas convicções e expectativas despedaçadas. E, assim, por três dias, em meio ao luto e sentindo-se perdidos e desesperançados, a pedra do túmulo é arrancada, o corpo fétido do nosso amado mestre é transformado e Ele aparece vivo, primeiro às mulheres, e depois aos discípulos e a muitos outros, restaurando a esperança, porém, ainda na forma que eles interpretavam as profecias.

 

          Contudo, e este é o ponto chave, a esperança não era para ser restaurada, mas era para ser morta e ressuscitada. Assim como o corpo de Cristo não foi restaurado, mas transformado, a esperança falha dos discípulos precisava ser transformada. Entendam o seguinte, Lázaro, que estivera morto por quatro dias, teve o seu corpo restaurado. Contudo, anos depois, teve que morrer. Cristo, entretanto, não teve o seu corpo restaurado, mas transformado. A morte, a dor, a angústia e tudo que opera nesse corpo de morte já não lhe afligiria. E essa também é a nossa esperança: não cremos que nosso corpo será restaurado. A obra salvívica do nosso redentor não é uma clínica de estética que retira as nossas rugas, que deixam os traços dos rostos mais “harmônicos”. Aliás, a maioria dessas clínicas que prometem restaurar, acaba deformando as feições das pessoas.

 

          A obra salvívica de Cristo tem por objetivo a transformação ou como Paulo chama: O Ministério da Reconciliação (II Coríntios 5:18,19; leia também Efésios 1:9,10;20-23 e Romanos 8:19-21). NEle esperamos a completa aniquilação daquilo que outrora foi e, valendo-se da mesma substância, há a conversão em um corpo novo, incorruptível, perfeito e espiritual; e isso não é exclusivo ao homem mas a todo o cosmo.

 

          Entretanto, voltando para o verso 6 do texto citado no preâmbulo, a expectativa dos discípulos era a restauração do reino a Israel. Mesmo após testemunharem o incontestável fato da ressurreição, eles ainda desejavam um milagre menor. Para eles bastava um “Lázaro, vem para fora”. Sim, eu também sei que o milagre que chama Lázaro para fora do túmulo é tremendo, maravilhoso e representava, nas próprias palavras de Cristo, uma antevisão da manifestação glória de Deus (João 11:40). Contudo, ainda que os discípulos desejassem a restauração, Israel restaurado ainda está submetido à sina de fenecer no decorrer do tempo.

 

          Sabemos que em 14/05/1948 o Estado de Israel foi novamente criado e restaurado no lugar onde hoje o conhecemos. Entretanto, essa restauração está estabelecida em meio à perseguição, guerra e morte. É no meio das lágrimas que aquele Estado tem sido mantido. Por esse motivo é que, conquanto os discípulos desejassem a restauração do reino de Israel, Jesus lhe propunha a transformação, não só do reino de Israel, mas de todos os reinos desse mundo e, não somente isso, mas a transformação de todo o mundo. Vejam que Ele lança uma determinação sobre aquelas pessoas: ficai em Jerusalém até que sejais revestidos de poder, e sereis minhas testemunhas em toda Jerusalém, Judeia, Samaria e até aos confins da terra.

 

          Ora, o tempo da Transformação não cabia a ninguém saber. Não era competência de nenhum dEles, mas se reservava exclusivamente na autoridade soberana do Pai. E lhes digo que era de fato o tempo da transformação. Reitero que, assim como há uma promessa de ressurreição que nos transforma de uma natureza caída para uma natureza incorruptível, a grande promessa do Senhor é a transformação completa de tudo. É o novo céu e uma nova terra. Essa sempre foi a principal promessa do Senhor (Apocalipse 21:1,2)

 

          O que quero dizer com tudo isso? Primeiro, as nossas expectativas, dentro do nosso olhar terral e limitado, são sempre muito menores do que aquilo que o Senhor tem preparado para nós (I Coríntios 2:9; Isaías 55.8,9). O que Ele nos reservou é sempre mais amplo, mais profundo, mais alto, mais largo, mais glorioso. Nossos olhos e nossa mente não conseguem imaginar. E mesmo diante de um vislumbre daquilo que nos foi preparado, tal como ocorreu com Paulo ao ser arrebatado até o terceiro céu (II Coríntios 12:2-5), fica impossível explicar para essa nossa existência terral o que foi visto; torna-se ilícito falar.

 

          O que o Senhor nos preparou é infinitamente maior. É maior que a sua prosperidade mateiral; é maior que a cura do seu corpo; é maior que restauração da sua alma; é maior do que todas as suas expectativas que são viciadas e limitadas à essa realidade aqui. Entretanto, no decorrer desse percurso aqui, Ele ainda restaura muitas coisas: Sim, Ele restaura a nossa alma, nos curando dos traumas e feridas passadas, gerados pelo pecado que nos habita; Ele tem poder para restaurar a nossa saúde, mas um dia, mesmo o Lázaro que teve sua vida terreal restaurada, veio a morrer novamente; Ele restaura relações matrimoniais e de amizade; Ele restaura a visão dos cegos. Porém, compreenda que o fundamento maior da nossa fé, que foi a ressurreição física, visível, palpável de Cristo é muito maior que todo o resto.

 

          A restauração ou implementação de um reino político, pelo qual tantos têm lutado hoje é algo muito miúdo diante do propósito que o Senhor tem para todos nós. Entendo totalmente lídimas manifestações, passeatas, defesa de direitos civis. Mas lhes digo que esse nunca foi e nunca será o propósito do Senhor para o seu povo. Os seus pensamentos são mais altos e os seus caminhos também.

 

          A angústia que é gerada pela instituição de um governo terreno e corrupto não deve repousar nos corações daqueles que crêem na ressurreição de Cristo. De mesmo modo, todas as angústias que nascem das limitações às quais estamos submetidos pela própria deterioração patente de nossos corpos e almas, não devem aniquilar a promessa que recebemos em Seu Grande Amor. Antes deve repousar na calma e na esperança. Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do filho do Seu amor (Colossenses 1:13). Não é aqui que firmamos a nossa esperança. Quem passa a crer na transformação, não se contenta mais com a restauração, conquanto seja grato quando Ele a nos concede como vislumbre de Sua glória futura.

 

          Repouse o seu coração no Senhor Jesus! Ele é o caminho, a verdade e a vida e ninguém vem ao Pai senão por Ele. O que o Pai determinou no Seu Filho foi a transformação de todas as coisas para que, no fim Cristo entregue tudo novamente ao Pai (II Coríntios 15:24). Novos corpos, nova vida, novo céu e nova terra... novo nome: Isso é o que Ele tem reservado para os crêem. O que você espera? Creia no Senhor Jesus!

 

          NEle, que nos chamou, justificou e glorificou,

 

          Jordanny.


sábado, 11 de novembro de 2023

VOTOS de Jordanny para Lucineiva

 


O que fazer quando você se vê perceptivelmente cercado de tanta Graça? Quando você percebe que não há palavras lícitas para se utilizar como expressão da gratidão que te inunda… Sim, me valho da palavra “lícita” em completo e manifesto plágio às palavras do menor dos Apóstolos. Aquele que certa vez foi transportado ao Paraíso, não sabendo se no corpo ou fora deste, e o que viu e ouviu, não era lícito falar.

Hoje eu também me vejo transportado ao Paraíso; e o contemplo aqui de modo tão peculiar, tão especial, que as palavras simplesmente me escapam. Seria um crime tentar descrever? Seria ilícito tentar explicar? De relance relembro-me quantos dias orei… quantos dias me derramei e rendi minhas preces àquEle único que tem poder para operar milagres como este, pedindo alguém para estar ao meu lado e hoje estou aqui, olhando para esse milagre que a vida me concedeu.

Noutros dias, noutros tempos me via rico em palavas... mas hoje, se no corpo, ou fora deste (não sei, Deus o sabe!) cá estou, sem sombra de dúvidas, no Paraíso e as palavras simplesmente me fogem… É como se houvesse uma lacuna infinita, a dimensão de um universo entre a caneta e o papel me impedindo de achar as melhores expressões… Seria ilícito tentar explicar? Seria um crime tentar descrever o turbilhão de sentimentos que invadem o meu ser?

Desde o seu sorriso; o seu choro; o seu andar; o seu falar; o seu olhar... Desde o vento fazendo suas mechas douradas, seus fios de ouro dançarem ante uma melodia celestial… No seu hálito; no seu beijo; no seu cheiro; na sua pele… Na sua história; nas suas marcas; nas suas dores, e superações... Em cada detalhe eu vejo tanto amor… E no seu amor eu simplesmente contemplo o Amor daquEle que é Amor…

Hoje o Éden adentrou a minha vida e veio na forma da nossa família linda… Olho pra você, olho para as nossas filhas e meu coração simplesmente transborda… Acredito que a graça às vezes se permite encarnar e ela está diante de mim… Veio como um Jardim sobre o qual eu tenho o dever de cultivá-lo e de cuidá-lo… Essa é a Eterna pena? Essa é a Eterna doce, terna e leve pena que o Amor me condenou: cuidar desse Jardim… cuidar da nossa família! Então, não me absolva… condena-me!

E cá estou… transportado ao Paraíso… e olhando para aquela que será hoje e até o fim de nossas vidas, a minha própria carne… Por isso teimo em dizer que a graça encarnou e se tornou uma comigo mesmo… Seria ilícito tentar explicar? Seria um crime tentar expressar o que eu tanto sinto? Prenda-me; condene-me; puna-me então… ainda que seja por simplesmente tentar expressar…

Me pediram que escrevesse os meus votos, mas há muito eu decidi não fazer mais votos… Há algo que considero mais valioso: o meu SIM! E esse sim, é sim… Eu entrego o meu sim a você enquanto recebo, de você, o seu sim… E isso nos basta… esta Graça nos basta…

E aqui estou… arrebatado… suspendido, elevado ao Paraíso… e tenho diante de mim a mais linda, a mais meiga e delicada… a mais feminina… a mais frágil e forte mulher… Estou aqui cativo, preso a esse amor…

Seria ilícito tentar explicar? Seria um crime tentar descrever? Resta-me então uma única palavra: Gratidão… a Ele eu louvo… àquEle que nos amou primeiro eu abro os meus lábios em confissão, louvor e gratidão!

Grandes coisas Ele fez por nós e por isso nos alegramos!!!

Então é isso: SIM, eu te amo, minha gata!


terça-feira, 31 de outubro de 2023

Breve Reflexão sobre Jó

 


Breve Reflexão Sobre Jó


E num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles. Então o Senhor disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, e disse: De rodear a terra, e passear por ela. E disse o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal. (Jó 1:6-8)


O Livro de Jó, com toda a sua convidativa poesia clássica, recheada de um sabor oriental, tem como tema central o homem imergido na condição de calamidade. Mas, antes, é necessário lembrar que o protagonista do Livro que recebe o seu nome, não sabia que, nos céus, uma “teodisseia” nascia em torno de sua vida em um diálogo entre Satanás e o próprio Deus.

Para nós é muito mais fácil compreender a história de Jó, visto que o preâmbulo já nos adiciona essa informação. Contudo, Jó não fazia ideia de que em uma reunião celestial, a pauta da conversa era seu nome, sua vida.

Agora, entenda bem: o próprio Deus testemunhava acerca de Jó, afirmando que ele era um homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal. Ou seja, nós estamos diante do melhor homem de seu tempo, mas que agora experimentaria uma reviravolta tão profunda e avassaladora em sua vida, que aniquilaria tudo aquilo de bom que, em sua bondade, ele conquistou; tudo aquilo de maravilhoso que, em sua fidelidade, lhe foi acrescido.

E qual era o propósito disso tudo? Ora! Ao passear por essas páginas somos apresentados a conflitos interiores dos mais profundos; angústias que afligiam não só a alma, a razão, as exposições mais nevrálgicas das emoções, mas também o próprio corpo de Jó, visto que vai apodrecendo detalhe a detalhe, sopro a sopro, órgão a órgão, célula a célula. Seu hálito ganha o odor da morte; suas vísceras se descompõem; seus orifícios tornam-se grandes veios e rios de pus; vulcões de chagas em completa erupção irrompem por toda a sua pele. Olhar para Jó era o vislumbre do terror; era testemunhar um tumor ambulante, asqueroso, assustador. Tão profundamente deplorável era a sua condição, que seus amigos, ao contemplarem, se silenciam por sete dias.

Entretanto, ao sétimo dia, Jó rompe o silêncio e em um grito de angústia fala a Deus com uma sinceridade avassaladora. São tão chocantes as palavras de Jó que chegam a parecer blasfêmia; é como estar diante da nudez sem qualquer pudor. Sim, Jó se desnuda diante de Deus e tendo seus amigos como testemunhas. Ele expõe sua dor e sua incompreensão diante da sua lastimável condição. Ele confronta as circunstâncias de modo tão escandaloso, que deixa seus amigos revoltados com as suas palavras. E estes, achando deter a arrogante prerrogativa de defender o próprio Criador, não admitem que alguém fale a Deus como Jó falou; que alguém erga sua voz aos céus do modo que Jó ergueu: “amaldiçoado é o dia do meu nascimento e que ele deixe de existir”!

Então, em indignação, os seus amigos passam a julgá-lo de modo impiedoso. A misericórdia se afasta de seus lábios. O silêncio, antes reverente, é quebrado ante à necessidade de defender suas “verdades” particulares. Seus argumentos são profundos e de aparente lógica, mas não se firmam na soma de todos os detalhes que compõem aquele quadro pintado com cores tristes e escuras. Não entendiam que, conquanto tenha expressado de modo tão forte o que sentia, Jó não pecou. E, por isso, passam a condená-lo temerariamente, afirmando que o resultado de toda aquela calamidade repousava em algum tipo de pecado. Era a aplicação da lei das causas e consequências. Não era lógico para eles alguém bom ser visitado por tamanha calamidade. Não entendiam que Deus tem a mania de pegar o melhor dos melhores e melhorá-lo mais ainda, para o louvor da Sua Glória.

E, enquanto seus amigos aplicavam as leis cármicas que julgavam universais, Jó comete o erro de tentar se justificar. Note que o pecado de Jó não foi falar com Deus totalmente desnudado dos moralismos e praxes litúrgico-religiosas. O pecado de Jó foi ofender-se e passar a buscar a justificar-se. Esqueceu-se Jó de que é Deus quem nos justifica (Rm 8.33), e assim passa a defender-se.

Mas até mesmo em suas defesas vemos a verdade sendo exposta, e as leis tidas como universais que fundamentavam os argumentos de seus amigos vão caindo uma a uma por terra. Caem primeiro diante da incapacidade que eles têm de exercer a misericórdia em detrimento de suas razões, ou seja: pela hipocrisia impiedosa; depois, caem diante do inequívoco fato de que a lei de causa e efeito, onde o mal que eu experimento é necessariamente decorrente do mal que eu faço, não se aplica a tudo e todos. E Jó revela que já viu justos sofrendo pela justiça, e seus olhos já contemplaram ímpios prosperando em sua impiedade. Nem tudo é causa e efeito. O sol nasce sobre todos.

Ah! E não podemos esquecer que Satanás é citado apenas no primeiro capítulo do Livro de Jó. Depois não há mais qualquer menção a Satanás. Isso nos ensina a tratarmos dos nossos dilemas e problemas mais profundos com quem de fato tem Todo o Poder. Jó não briga com o Diabo. Nem sequer repreende a Satanás. Jó trata com Deus. Ele sabe o Deus que Ele serve. Ele o conhecia apenas de ouvir falar, mas já compreendia Quem era o Seu Deus. Ele sabia, no íntimo do seu ser, que o Seu Redentor Vive e que por fim, ainda em seus dias de vida, Ele se levantaria.

O resultado disso é que em sua indizível dor, Jó salta do lugar onde ele “O conhecia de ouvir falar” para o lugar “onde os seus olhos passam a contemplar-Lhe”. E a resposta de Deus sobre a vida do Seu servo vem em um redemoinho. Vem na forma da tempestade. Vem como tornado revirando tudo ao seu bel prazer e conforme a Sua vontade!

É assim que Jó O contempla a partir de agora. É assim o seu olhar é mudado, visto que Deus não veio para nos dar novos olhos, mas para nos dar um novo olhar; e não veio para nos dar novas pernas, mas para nos dar um novo andar; e não veio para nos dar novas mãos, mas para nos dar um novo agir; não veio para tão somente melhorar as nossas vidas, mas principalmente para nos melhorar para a Vida.

Entender isso é imergir na dor, porém, inundado de fé e compreendendo quem em tudo há um propósito e, se Ele decide melhorar o melhor de seu tempo, imagine comigo que sou o pior dos pecadores?

Jó intercede por seus amigos e estes são perdoados. Hoje é o Espírito Santo que intercede por você. Meu Deus! Você compreende isso? É o Espírito Santo que intercede por você e com gemidos inexprimíveis; com uma oração tão inundada do Conhecimento de Deus, que para nós é impossível discernir.

Não se desespere no dia da calamidade: apenas confie! O Seu Redentor Vive e por fim se levantará. Vou repetir: O Seu Redentor Vive, está assentado à destra de Deus e, por fim, se levantará!

Há tantas outras joias que podemos extrair do Livro de Jó, mas hoje eu me permitirei encerrar nessas palavras!

NEle, que tem voz de muitas águas e que nos fala do olho do tornado,


Jordanny.




sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Desista para não mais desistir!


 

DESISTA PARA NÃO MAIS DESISTIR


“Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim” (Fp 3.13)


Com uma vida totalmente encaminhada para o êxito entre os hebreus, Paulo representava a síntese daquele que desde sua mocidade apontava para ser bem sucedido, bem visto, aplaudido e famoso entre os seus. Porém, tudo muda a caminho de Damasco, quando ele se vê interceptado, afligido e derrubado por aquEle a quem perseguia (At 9.3,4). Sim! Aquele homem confiante na sua carne, visto que fora circuncidado ao oitavo dia; pertencente à linhagem de Israel, da Tribo de Benjamim; em suas próprias palavras: hebreu de hebreus; fariseu, segundo a lei; zeloso como perseguidor da igreja e irrepreensível segundo a justiça que há na lei; aquele homem é derrubado de seu posto e vê suas convicções ruírem como um castelo cartas soprado por um vento forte.


A partir de então, resta-lhe uma única alternativa: desistir! Exatamente, a experiência que seu espírito tinha saboreado, que seus olhos tinham contemplado e a Voz que alcançara os seus ouvidos, lhe compeliram à desistência. Paulo desiste de seu status e de sua posição; desiste de seus costumes e tradições; desiste do significado de sua circuncisão; desiste de seu labor como fariseu.


Aqui vemos que a desistência representa o caráter mais evidente da conversão. É a rendição absoluta àquEle que, em fraqueza, demonstrou poder; àquEle que em mansidão demonstrou força; que em humildade, demonstrou elevo. Cristo lutou contra Paulo e prevaleceu. Diferentemente de Jacó, que teve seu nome mudado para Israel (Gn 32.28) por ter lutado contra Deus e os homens e prevalecido, não foi Paulo quem lutou contra Deus e prevaleceu, mas o próprio Deus lutou contra Paulo e, agora, Ele prevaleceu sobre o homem.


A partir daí, agora diante da sua verdadeira vocação, impulsionado por um chamado que ecoava da eternidade, manifestando-se em seu tempo e sobre sua vida, Paulo deixaria tudo e seguiria então obstinado, irredutível sem jamais desistir. O caminho que o coloca no propósito absoluto para o qual foi criado (Ef 2.10), e do qual ele nunca mais desviaria, significou abrir mão, não somente de muito, mas de tudo!


No livro de Gênesis, no capítulo 19, temos relato da destruição cataclísmica de Sodoma e Gomorra, que foi o domicílio de Ló e sua família. O livramento de Deus sobre aquela família iria requerer, mais do que tudo, que eles desistissem de suas vidas naquela cidade corrupta, e que avançassem sem não mais retornar para trás. A esposa de Ló, entretanto, apegada e sem a capacidade de desistir e deixar para trás, comete o erro de retornar. O texto descrito no verso 26 diz que ela simplesmente olhou para trás, mas o contexto reflete que o ato dela foi muito mais profundo: ela de fato retorna para a cidade da destruição. Ela prefere os algozes manifestos em fogo e enxofre em uma cidade que até então lhe dava conforto e segurança, do que o livramento que significaria o recomeço, a conversão, o novo nascimento, conquanto submerso nas águas da imprevisão: o viver segundo o sopro do Espírito (Jo 3.8).


Retorno ao argumento de que a mulher de Ló de fato volta para trás, e não somente olha para trás, por meio das próprias palavras do mestre Jesus:


“Naquele dia, quem estiver no telhado, tendo as suas alfaias em casa, não desça a tomá-las; e, da mesma sorte, o que estiver no campo não volte para trás. Lembrai-vos da mulher de Ló. (Lc 17.31,32).


Os efeitos de voltar para trás representam ser consumido pelo fogo e enxofre; significa adentrar no terreno da futura desolação, onde a salinidade do solo sequer permite que algo novamente brote. Voltar para trás representar tornar-se improdutivo, infrutífero, pronto a ser cortado e lançado ao fogo.


A conversão e o arrependimento requerem desistência de um viver torpe, ainda que seguro. Conversão e arrependimento requerem abrir mão de muito e, em alguns casos, de tudo. E o que advém logo após essa decisão dificilmente representará conforto, ausência de riscos e de perseguições nessa vida aqui. Principalmente nos últimos dias, onde falar da verdade pode representar riscos terríveis àquele que assim procede.


Abrir mão de prazeres vãos; abrir mão do adultério; abrir mão das paixões vazias; abrir mão da natureza perversa; abrir mão do status social ou religioso; abrir mão da mentira; abrir mão até mesmo daquilo que para muitos reflete virtude, tal como Paulo abriu mão do seu zelo perseguidor; tudo isso é o reflexo que ofusca os tempos da perversão, por meio da manifestação da glória de Cristo em nós.


Nunca será um caminho fácil. E, nesse caminho sim, lhes digo sem tibubear: não desista! Firme-se convictamente e prossiga para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus! O que eu mais desejo para você e para mim é que o Espírito produza sempre em nós frutos dignos de arrependimento!


NEle, que galardoa os que negam-se a si mesmos, ofertando-nos a Sua própria, absoluta e abundante Vida,


Jordanny.

sexta-feira, 14 de abril de 2023

No Acalento da Tinta

 


No Acalento da Tinta


Neste opróbrio de ser se afirmou sentinela;
E num amor baldo e frio atiçava suas cãs,
Pois do gris que pintou fez das cores afãs
De um alguém que ninguém fora em aquarelas.

Transcendendo o sentir deu seus versos àquela
Que desde antes jazia em seu cheiro-maçã;
E esculpia de aromas seu ventre-romã:
As moradas, de Elísio, junto às cidadelas...

Em desejos e sombras trilhou o pobre poeta
No acalento da tinta e no agudo da pena;
Com rasuras, traços: rastros de seu esforço 

Em buscar descrever sob luzes de velas...
Mas agora ante a tua beleza serena
Pôde, assim, repousar em teu seio e em teu dorso.

Gama, 13 de abril de 2023.

terça-feira, 28 de abril de 2020

O TEMPO DAS MÁSCARAS


O TEMPO DAS MÁSCARAS

O Medo tomou o assento mais importante entre os homens. Não hoje, mas desde sempre. Entronizado, conquistou para si súditos em todas as eras que esteve presente, aquele que esteve presente em todas as eras. Seus palácios, erguidos sob o fundamento da ignorância, tornaram-se os mais visitados, amados e habitados; assombrosos, mas venerados; lúgubres, mas instrumentalizados com objetos próprios para os algozes da alma; perversos, mas úteis. Impressiona-me como uma pandemia ergue, como numa parábola da própria vida, as condições mais profundas da natureza humana que ainda não despertou para a verdade; que ainda está encarcerada nas masmorras do pavor, sem qualquer fagulha de luz para se nortear.

Decretos em todo o mundo determinam o uso obrigatório de máscaras. Não falo de decretos recentes, contudo dos mais imponentes, publicados ainda no tempo onde a história não mais alcança; onde a memória se dissipou com uma névoa. Falo dos decretos oficializados pelo moralismo torpe; pelo modismo encantador; pela vaidade velada; pelo egoísmo maquiado. “Coloquem suas máscaras! É determinante que não saiam de casa sem essas! A pena de ser visto sem máscara é o sepultamento do ser; é a prisão do viver! Proteja-se a si mesmo!”

Sinceridade... Essa palavra encontra uma origem validada por eruditos, e outras denominadas “etimologias populares”, manifesta por contos que a tentam explicar. Entretanto, nas duas formas que se apresenta, validada ou não, não deixa de trazer uma riqueza fantástica e uma reflexão sublime. A mais aceita, nos informa que o termo se origina do latim sincerus, que tem por significado uma “planta que é de crescimento único, sem enxertos ou misturas”. Já entre o credo popular, dentre tantas histórias contadas, a palavra quer dizer “sem cera”. Conforme alguns dizem, na Idade Média as pessoas aproveitavam o carnaval para praticarem as mais intensas luxúrias, indo a bailes que tinham por finalidade saciar o desejo lascivo de seus participantes, que se valiam de máscaras confeccionadas à base de cera. Essas tinham por objetivo esconder suas identidades. Desse modo, cresceu-se o entendimento de que uma pessoa sem máscara, era uma pessoa sincera, sem cera.

Sabemos que o conto popular é tantas vezes criado como subterfúgio, mas a sua criatividade alcança um valor peculiar, e nos traz uma mensagem profunda: num mundo vil, perdido, lascivo, é um desafio inimaginável apresentar-se sem máscaras. Nesse mundo, a sinceridade é perigosa; repugnante. No reino do Medo, a verdade é o crime dos crimes.

Afora as conjecturas, o fato é que o existir, num mundo que se alimenta das aparências, depende, cada vez mais, de máscaras. É a proteção mais básica. É a ferramenta de “liberdade” dos que são subservientes ao senhor Medo! É a forma única de tentar se aproximar de outem, rompendo o distanciamento que o vírus da maldade exige de cada um. É a construção rasa de amizades e relacionamentos melindrosos, ilusórios, virtuais, conquanto numerosos.

Há alguns, porém, que têm uma dificuldade enorme em simplesmente existir: precisam, mais do que tudo, VIVER! Existir é o que se faz qualquer um que se rendeu ao senhor Medo; que se deixou ser marcado como escravo e servo do desespero, da ansiedade, do pânico. Mas para aqueles para os quais não basta existir, e que rompem os grilhões impostos pelo Medo, a Vida lhes exige que, antes de tudo, suas máscaras sejam arrancadas. Seus rostos ficam, então, desnudados diante do risco que a vida lhes impõe como condição do que ela é em si mesma. Afinal a vida é o que é: é o risco da perda; é a certeza da dor; é a sina de sorrir enquanto se é afligido; é a entrega completa ao amor que tudo sofre, tudo crê e tudo suporta; é a coragem para apresentar a própria feiura, sem pudor, e as marcas que foram sendo impingidas no caminho de se viver; é até mesmo o mergulho na possibilidade da traição, enquanto se carrega a decisão de perdoar sempre!

Poucos têm coragem de romper o isolamento sem máscaras. Poucos têm coragem de apresentar a face marcada sem o medo de se contagiar mais uma vez pelo pavor. Poucos são os que caminham pelas veredas da liberdade, que são pavimentadas com a Verdade. Para esses poucos, a Vida é manifesta! E esses poucos, que conhecem o sabor inigualável de realmente viver, nunca mais retornam à servidão do Medo...

Espero muito que você, para além de existir, arranque a máscara e, com coragem, simplesmente, e sobretudo, VIVA!


Jordanny.