terça-feira, 28 de abril de 2020

O TEMPO DAS MÁSCARAS


O TEMPO DAS MÁSCARAS

O Medo tomou o assento mais importante entre os homens. Não hoje, mas desde sempre. Entronizado, conquistou para si súditos em todas as eras que esteve presente, aquele que esteve presente em todas as eras. Seus palácios, erguidos sob o fundamento da ignorância, tornaram-se os mais visitados, amados e habitados; assombrosos, mas venerados; lúgubres, mas instrumentalizados com objetos próprios para os algozes da alma; perversos, mas úteis. Impressiona-me como uma pandemia ergue, como numa parábola da própria vida, as condições mais profundas da natureza humana que ainda não despertou para a verdade; que ainda está encarcerada nas masmorras do pavor, sem qualquer fagulha de luz para se nortear.

Decretos em todo o mundo determinam o uso obrigatório de máscaras. Não falo de decretos recentes, contudo dos mais imponentes, publicados ainda no tempo onde a história não mais alcança; onde a memória se dissipou com uma névoa. Falo dos decretos oficializados pelo moralismo torpe; pelo modismo encantador; pela vaidade velada; pelo egoísmo maquiado. “Coloquem suas máscaras! É determinante que não saiam de casa sem essas! A pena de ser visto sem máscara é o sepultamento do ser; é a prisão do viver! Proteja-se a si mesmo!”

Sinceridade... Essa palavra encontra uma origem validada por eruditos, e outras denominadas “etimologias populares”, manifesta por contos que a tentam explicar. Entretanto, nas duas formas que se apresenta, validada ou não, não deixa de trazer uma riqueza fantástica e uma reflexão sublime. A mais aceita, nos informa que o termo se origina do latim sincerus, que tem por significado uma “planta que é de crescimento único, sem enxertos ou misturas”. Já entre o credo popular, dentre tantas histórias contadas, a palavra quer dizer “sem cera”. Conforme alguns dizem, na Idade Média as pessoas aproveitavam o carnaval para praticarem as mais intensas luxúrias, indo a bailes que tinham por finalidade saciar o desejo lascivo de seus participantes, que se valiam de máscaras confeccionadas à base de cera. Essas tinham por objetivo esconder suas identidades. Desse modo, cresceu-se o entendimento de que uma pessoa sem máscara, era uma pessoa sincera, sem cera.

Sabemos que o conto popular é tantas vezes criado como subterfúgio, mas a sua criatividade alcança um valor peculiar, e nos traz uma mensagem profunda: num mundo vil, perdido, lascivo, é um desafio inimaginável apresentar-se sem máscaras. Nesse mundo, a sinceridade é perigosa; repugnante. No reino do Medo, a verdade é o crime dos crimes.

Afora as conjecturas, o fato é que o existir, num mundo que se alimenta das aparências, depende, cada vez mais, de máscaras. É a proteção mais básica. É a ferramenta de “liberdade” dos que são subservientes ao senhor Medo! É a forma única de tentar se aproximar de outem, rompendo o distanciamento que o vírus da maldade exige de cada um. É a construção rasa de amizades e relacionamentos melindrosos, ilusórios, virtuais, conquanto numerosos.

Há alguns, porém, que têm uma dificuldade enorme em simplesmente existir: precisam, mais do que tudo, VIVER! Existir é o que se faz qualquer um que se rendeu ao senhor Medo; que se deixou ser marcado como escravo e servo do desespero, da ansiedade, do pânico. Mas para aqueles para os quais não basta existir, e que rompem os grilhões impostos pelo Medo, a Vida lhes exige que, antes de tudo, suas máscaras sejam arrancadas. Seus rostos ficam, então, desnudados diante do risco que a vida lhes impõe como condição do que ela é em si mesma. Afinal a vida é o que é: é o risco da perda; é a certeza da dor; é a sina de sorrir enquanto se é afligido; é a entrega completa ao amor que tudo sofre, tudo crê e tudo suporta; é a coragem para apresentar a própria feiura, sem pudor, e as marcas que foram sendo impingidas no caminho de se viver; é até mesmo o mergulho na possibilidade da traição, enquanto se carrega a decisão de perdoar sempre!

Poucos têm coragem de romper o isolamento sem máscaras. Poucos têm coragem de apresentar a face marcada sem o medo de se contagiar mais uma vez pelo pavor. Poucos são os que caminham pelas veredas da liberdade, que são pavimentadas com a Verdade. Para esses poucos, a Vida é manifesta! E esses poucos, que conhecem o sabor inigualável de realmente viver, nunca mais retornam à servidão do Medo...

Espero muito que você, para além de existir, arranque a máscara e, com coragem, simplesmente, e sobretudo, VIVA!


Jordanny.