sábado, 11 de novembro de 2023

VOTOS de Jordanny para Lucineiva

 


O que fazer quando você se vê perceptivelmente cercado de tanta Graça? Quando você percebe que não há palavras lícitas para se utilizar como expressão da gratidão que te inunda… Sim, me valho da palavra “lícita” em completo e manifesto plágio às palavras do menor dos Apóstolos. Aquele que certa vez foi transportado ao Paraíso, não sabendo se no corpo ou fora deste, e o que viu e ouviu, não era lícito falar.

Hoje eu também me vejo transportado ao Paraíso; e o contemplo aqui de modo tão peculiar, tão especial, que as palavras simplesmente me escapam. Seria um crime tentar descrever? Seria ilícito tentar explicar? De relance relembro-me quantos dias orei… quantos dias me derramei e rendi minhas preces àquEle único que tem poder para operar milagres como este, pedindo alguém para estar ao meu lado e hoje estou aqui, olhando para esse milagre que a vida me concedeu.

Noutros dias, noutros tempos me via rico em palavas... mas hoje, se no corpo, ou fora deste (não sei, Deus o sabe!) cá estou, sem sombra de dúvidas, no Paraíso e as palavras simplesmente me fogem… É como se houvesse uma lacuna infinita, a dimensão de um universo entre a caneta e o papel me impedindo de achar as melhores expressões… Seria ilícito tentar explicar? Seria um crime tentar descrever o turbilhão de sentimentos que invadem o meu ser?

Desde o seu sorriso; o seu choro; o seu andar; o seu falar; o seu olhar... Desde o vento fazendo suas mechas douradas, seus fios de ouro dançarem ante uma melodia celestial… No seu hálito; no seu beijo; no seu cheiro; na sua pele… Na sua história; nas suas marcas; nas suas dores, e superações... Em cada detalhe eu vejo tanto amor… E no seu amor eu simplesmente contemplo o Amor daquEle que é Amor…

Hoje o Éden adentrou a minha vida e veio na forma da nossa família linda… Olho pra você, olho para as nossas filhas e meu coração simplesmente transborda… Acredito que a graça às vezes se permite encarnar e ela está diante de mim… Veio como um Jardim sobre o qual eu tenho o dever de cultivá-lo e de cuidá-lo… Essa é a Eterna pena? Essa é a Eterna doce, terna e leve pena que o Amor me condenou: cuidar desse Jardim… cuidar da nossa família! Então, não me absolva… condena-me!

E cá estou… transportado ao Paraíso… e olhando para aquela que será hoje e até o fim de nossas vidas, a minha própria carne… Por isso teimo em dizer que a graça encarnou e se tornou uma comigo mesmo… Seria ilícito tentar explicar? Seria um crime tentar expressar o que eu tanto sinto? Prenda-me; condene-me; puna-me então… ainda que seja por simplesmente tentar expressar…

Me pediram que escrevesse os meus votos, mas há muito eu decidi não fazer mais votos… Há algo que considero mais valioso: o meu SIM! E esse sim, é sim… Eu entrego o meu sim a você enquanto recebo, de você, o seu sim… E isso nos basta… esta Graça nos basta…

E aqui estou… arrebatado… suspendido, elevado ao Paraíso… e tenho diante de mim a mais linda, a mais meiga e delicada… a mais feminina… a mais frágil e forte mulher… Estou aqui cativo, preso a esse amor…

Seria ilícito tentar explicar? Seria um crime tentar descrever? Resta-me então uma única palavra: Gratidão… a Ele eu louvo… àquEle que nos amou primeiro eu abro os meus lábios em confissão, louvor e gratidão!

Grandes coisas Ele fez por nós e por isso nos alegramos!!!

Então é isso: SIM, eu te amo, minha gata!


terça-feira, 31 de outubro de 2023

Breve Reflexão sobre Jó

 


Breve Reflexão Sobre Jó


E num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio também Satanás entre eles. Então o Senhor disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao Senhor, e disse: De rodear a terra, e passear por ela. E disse o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal. (Jó 1:6-8)


O Livro de Jó, com toda a sua convidativa poesia clássica, recheada de um sabor oriental, tem como tema central o homem imergido na condição de calamidade. Mas, antes, é necessário lembrar que o protagonista do Livro que recebe o seu nome, não sabia que, nos céus, uma “teodisseia” nascia em torno de sua vida em um diálogo entre Satanás e o próprio Deus.

Para nós é muito mais fácil compreender a história de Jó, visto que o preâmbulo já nos adiciona essa informação. Contudo, Jó não fazia ideia de que em uma reunião celestial, a pauta da conversa era seu nome, sua vida.

Agora, entenda bem: o próprio Deus testemunhava acerca de Jó, afirmando que ele era um homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal. Ou seja, nós estamos diante do melhor homem de seu tempo, mas que agora experimentaria uma reviravolta tão profunda e avassaladora em sua vida, que aniquilaria tudo aquilo de bom que, em sua bondade, ele conquistou; tudo aquilo de maravilhoso que, em sua fidelidade, lhe foi acrescido.

E qual era o propósito disso tudo? Ora! Ao passear por essas páginas somos apresentados a conflitos interiores dos mais profundos; angústias que afligiam não só a alma, a razão, as exposições mais nevrálgicas das emoções, mas também o próprio corpo de Jó, visto que vai apodrecendo detalhe a detalhe, sopro a sopro, órgão a órgão, célula a célula. Seu hálito ganha o odor da morte; suas vísceras se descompõem; seus orifícios tornam-se grandes veios e rios de pus; vulcões de chagas em completa erupção irrompem por toda a sua pele. Olhar para Jó era o vislumbre do terror; era testemunhar um tumor ambulante, asqueroso, assustador. Tão profundamente deplorável era a sua condição, que seus amigos, ao contemplarem, se silenciam por sete dias.

Entretanto, ao sétimo dia, Jó rompe o silêncio e em um grito de angústia fala a Deus com uma sinceridade avassaladora. São tão chocantes as palavras de Jó que chegam a parecer blasfêmia; é como estar diante da nudez sem qualquer pudor. Sim, Jó se desnuda diante de Deus e tendo seus amigos como testemunhas. Ele expõe sua dor e sua incompreensão diante da sua lastimável condição. Ele confronta as circunstâncias de modo tão escandaloso, que deixa seus amigos revoltados com as suas palavras. E estes, achando deter a arrogante prerrogativa de defender o próprio Criador, não admitem que alguém fale a Deus como Jó falou; que alguém erga sua voz aos céus do modo que Jó ergueu: “amaldiçoado é o dia do meu nascimento e que ele deixe de existir”!

Então, em indignação, os seus amigos passam a julgá-lo de modo impiedoso. A misericórdia se afasta de seus lábios. O silêncio, antes reverente, é quebrado ante à necessidade de defender suas “verdades” particulares. Seus argumentos são profundos e de aparente lógica, mas não se firmam na soma de todos os detalhes que compõem aquele quadro pintado com cores tristes e escuras. Não entendiam que, conquanto tenha expressado de modo tão forte o que sentia, Jó não pecou. E, por isso, passam a condená-lo temerariamente, afirmando que o resultado de toda aquela calamidade repousava em algum tipo de pecado. Era a aplicação da lei das causas e consequências. Não era lógico para eles alguém bom ser visitado por tamanha calamidade. Não entendiam que Deus tem a mania de pegar o melhor dos melhores e melhorá-lo mais ainda, para o louvor da Sua Glória.

E, enquanto seus amigos aplicavam as leis cármicas que julgavam universais, Jó comete o erro de tentar se justificar. Note que o pecado de Jó não foi falar com Deus totalmente desnudado dos moralismos e praxes litúrgico-religiosas. O pecado de Jó foi ofender-se e passar a buscar a justificar-se. Esqueceu-se Jó de que é Deus quem nos justifica (Rm 8.33), e assim passa a defender-se.

Mas até mesmo em suas defesas vemos a verdade sendo exposta, e as leis tidas como universais que fundamentavam os argumentos de seus amigos vão caindo uma a uma por terra. Caem primeiro diante da incapacidade que eles têm de exercer a misericórdia em detrimento de suas razões, ou seja: pela hipocrisia impiedosa; depois, caem diante do inequívoco fato de que a lei de causa e efeito, onde o mal que eu experimento é necessariamente decorrente do mal que eu faço, não se aplica a tudo e todos. E Jó revela que já viu justos sofrendo pela justiça, e seus olhos já contemplaram ímpios prosperando em sua impiedade. Nem tudo é causa e efeito. O sol nasce sobre todos.

Ah! E não podemos esquecer que Satanás é citado apenas no primeiro capítulo do Livro de Jó. Depois não há mais qualquer menção a Satanás. Isso nos ensina a tratarmos dos nossos dilemas e problemas mais profundos com quem de fato tem Todo o Poder. Jó não briga com o Diabo. Nem sequer repreende a Satanás. Jó trata com Deus. Ele sabe o Deus que Ele serve. Ele o conhecia apenas de ouvir falar, mas já compreendia Quem era o Seu Deus. Ele sabia, no íntimo do seu ser, que o Seu Redentor Vive e que por fim, ainda em seus dias de vida, Ele se levantaria.

O resultado disso é que em sua indizível dor, Jó salta do lugar onde ele “O conhecia de ouvir falar” para o lugar “onde os seus olhos passam a contemplar-Lhe”. E a resposta de Deus sobre a vida do Seu servo vem em um redemoinho. Vem na forma da tempestade. Vem como tornado revirando tudo ao seu bel prazer e conforme a Sua vontade!

É assim que Jó O contempla a partir de agora. É assim o seu olhar é mudado, visto que Deus não veio para nos dar novos olhos, mas para nos dar um novo olhar; e não veio para nos dar novas pernas, mas para nos dar um novo andar; e não veio para nos dar novas mãos, mas para nos dar um novo agir; não veio para tão somente melhorar as nossas vidas, mas principalmente para nos melhorar para a Vida.

Entender isso é imergir na dor, porém, inundado de fé e compreendendo quem em tudo há um propósito e, se Ele decide melhorar o melhor de seu tempo, imagine comigo que sou o pior dos pecadores?

Jó intercede por seus amigos e estes são perdoados. Hoje é o Espírito Santo que intercede por você. Meu Deus! Você compreende isso? É o Espírito Santo que intercede por você e com gemidos inexprimíveis; com uma oração tão inundada do Conhecimento de Deus, que para nós é impossível discernir.

Não se desespere no dia da calamidade: apenas confie! O Seu Redentor Vive e por fim se levantará. Vou repetir: O Seu Redentor Vive, está assentado à destra de Deus e, por fim, se levantará!

Há tantas outras joias que podemos extrair do Livro de Jó, mas hoje eu me permitirei encerrar nessas palavras!

NEle, que tem voz de muitas águas e que nos fala do olho do tornado,


Jordanny.




sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Desista para não mais desistir!


 

DESISTA PARA NÃO MAIS DESISTIR


“Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim” (Fp 3.13)


Com uma vida totalmente encaminhada para o êxito entre os hebreus, Paulo representava a síntese daquele que desde sua mocidade apontava para ser bem sucedido, bem visto, aplaudido e famoso entre os seus. Porém, tudo muda a caminho de Damasco, quando ele se vê interceptado, afligido e derrubado por aquEle a quem perseguia (At 9.3,4). Sim! Aquele homem confiante na sua carne, visto que fora circuncidado ao oitavo dia; pertencente à linhagem de Israel, da Tribo de Benjamim; em suas próprias palavras: hebreu de hebreus; fariseu, segundo a lei; zeloso como perseguidor da igreja e irrepreensível segundo a justiça que há na lei; aquele homem é derrubado de seu posto e vê suas convicções ruírem como um castelo cartas soprado por um vento forte.


A partir de então, resta-lhe uma única alternativa: desistir! Exatamente, a experiência que seu espírito tinha saboreado, que seus olhos tinham contemplado e a Voz que alcançara os seus ouvidos, lhe compeliram à desistência. Paulo desiste de seu status e de sua posição; desiste de seus costumes e tradições; desiste do significado de sua circuncisão; desiste de seu labor como fariseu.


Aqui vemos que a desistência representa o caráter mais evidente da conversão. É a rendição absoluta àquEle que, em fraqueza, demonstrou poder; àquEle que em mansidão demonstrou força; que em humildade, demonstrou elevo. Cristo lutou contra Paulo e prevaleceu. Diferentemente de Jacó, que teve seu nome mudado para Israel (Gn 32.28) por ter lutado contra Deus e os homens e prevalecido, não foi Paulo quem lutou contra Deus e prevaleceu, mas o próprio Deus lutou contra Paulo e, agora, Ele prevaleceu sobre o homem.


A partir daí, agora diante da sua verdadeira vocação, impulsionado por um chamado que ecoava da eternidade, manifestando-se em seu tempo e sobre sua vida, Paulo deixaria tudo e seguiria então obstinado, irredutível sem jamais desistir. O caminho que o coloca no propósito absoluto para o qual foi criado (Ef 2.10), e do qual ele nunca mais desviaria, significou abrir mão, não somente de muito, mas de tudo!


No livro de Gênesis, no capítulo 19, temos relato da destruição cataclísmica de Sodoma e Gomorra, que foi o domicílio de Ló e sua família. O livramento de Deus sobre aquela família iria requerer, mais do que tudo, que eles desistissem de suas vidas naquela cidade corrupta, e que avançassem sem não mais retornar para trás. A esposa de Ló, entretanto, apegada e sem a capacidade de desistir e deixar para trás, comete o erro de retornar. O texto descrito no verso 26 diz que ela simplesmente olhou para trás, mas o contexto reflete que o ato dela foi muito mais profundo: ela de fato retorna para a cidade da destruição. Ela prefere os algozes manifestos em fogo e enxofre em uma cidade que até então lhe dava conforto e segurança, do que o livramento que significaria o recomeço, a conversão, o novo nascimento, conquanto submerso nas águas da imprevisão: o viver segundo o sopro do Espírito (Jo 3.8).


Retorno ao argumento de que a mulher de Ló de fato volta para trás, e não somente olha para trás, por meio das próprias palavras do mestre Jesus:


“Naquele dia, quem estiver no telhado, tendo as suas alfaias em casa, não desça a tomá-las; e, da mesma sorte, o que estiver no campo não volte para trás. Lembrai-vos da mulher de Ló. (Lc 17.31,32).


Os efeitos de voltar para trás representam ser consumido pelo fogo e enxofre; significa adentrar no terreno da futura desolação, onde a salinidade do solo sequer permite que algo novamente brote. Voltar para trás representar tornar-se improdutivo, infrutífero, pronto a ser cortado e lançado ao fogo.


A conversão e o arrependimento requerem desistência de um viver torpe, ainda que seguro. Conversão e arrependimento requerem abrir mão de muito e, em alguns casos, de tudo. E o que advém logo após essa decisão dificilmente representará conforto, ausência de riscos e de perseguições nessa vida aqui. Principalmente nos últimos dias, onde falar da verdade pode representar riscos terríveis àquele que assim procede.


Abrir mão de prazeres vãos; abrir mão do adultério; abrir mão das paixões vazias; abrir mão da natureza perversa; abrir mão do status social ou religioso; abrir mão da mentira; abrir mão até mesmo daquilo que para muitos reflete virtude, tal como Paulo abriu mão do seu zelo perseguidor; tudo isso é o reflexo que ofusca os tempos da perversão, por meio da manifestação da glória de Cristo em nós.


Nunca será um caminho fácil. E, nesse caminho sim, lhes digo sem tibubear: não desista! Firme-se convictamente e prossiga para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus! O que eu mais desejo para você e para mim é que o Espírito produza sempre em nós frutos dignos de arrependimento!


NEle, que galardoa os que negam-se a si mesmos, ofertando-nos a Sua própria, absoluta e abundante Vida,


Jordanny.

sexta-feira, 14 de abril de 2023

No Acalento da Tinta

 


No Acalento da Tinta


Neste opróbrio de ser se afirmou sentinela;
E num amor baldo e frio atiçava suas cãs,
Pois do gris que pintou fez das cores afãs
De um alguém que ninguém fora em aquarelas.

Transcendendo o sentir deu seus versos àquela
Que desde antes jazia em seu cheiro-maçã;
E esculpia de aromas seu ventre-romã:
As moradas, de Elísio, junto às cidadelas...

Em desejos e sombras trilhou o pobre poeta
No acalento da tinta e no agudo da pena;
Com rasuras, traços: rastros de seu esforço 

Em buscar descrever sob luzes de velas...
Mas agora ante a tua beleza serena
Pôde, assim, repousar em teu seio e em teu dorso.

Gama, 13 de abril de 2023.

terça-feira, 28 de abril de 2020

O TEMPO DAS MÁSCARAS


O TEMPO DAS MÁSCARAS

O Medo tomou o assento mais importante entre os homens. Não hoje, mas desde sempre. Entronizado, conquistou para si súditos em todas as eras que esteve presente, aquele que esteve presente em todas as eras. Seus palácios, erguidos sob o fundamento da ignorância, tornaram-se os mais visitados, amados e habitados; assombrosos, mas venerados; lúgubres, mas instrumentalizados com objetos próprios para os algozes da alma; perversos, mas úteis. Impressiona-me como uma pandemia ergue, como numa parábola da própria vida, as condições mais profundas da natureza humana que ainda não despertou para a verdade; que ainda está encarcerada nas masmorras do pavor, sem qualquer fagulha de luz para se nortear.

Decretos em todo o mundo determinam o uso obrigatório de máscaras. Não falo de decretos recentes, contudo dos mais imponentes, publicados ainda no tempo onde a história não mais alcança; onde a memória se dissipou com uma névoa. Falo dos decretos oficializados pelo moralismo torpe; pelo modismo encantador; pela vaidade velada; pelo egoísmo maquiado. “Coloquem suas máscaras! É determinante que não saiam de casa sem essas! A pena de ser visto sem máscara é o sepultamento do ser; é a prisão do viver! Proteja-se a si mesmo!”

Sinceridade... Essa palavra encontra uma origem validada por eruditos, e outras denominadas “etimologias populares”, manifesta por contos que a tentam explicar. Entretanto, nas duas formas que se apresenta, validada ou não, não deixa de trazer uma riqueza fantástica e uma reflexão sublime. A mais aceita, nos informa que o termo se origina do latim sincerus, que tem por significado uma “planta que é de crescimento único, sem enxertos ou misturas”. Já entre o credo popular, dentre tantas histórias contadas, a palavra quer dizer “sem cera”. Conforme alguns dizem, na Idade Média as pessoas aproveitavam o carnaval para praticarem as mais intensas luxúrias, indo a bailes que tinham por finalidade saciar o desejo lascivo de seus participantes, que se valiam de máscaras confeccionadas à base de cera. Essas tinham por objetivo esconder suas identidades. Desse modo, cresceu-se o entendimento de que uma pessoa sem máscara, era uma pessoa sincera, sem cera.

Sabemos que o conto popular é tantas vezes criado como subterfúgio, mas a sua criatividade alcança um valor peculiar, e nos traz uma mensagem profunda: num mundo vil, perdido, lascivo, é um desafio inimaginável apresentar-se sem máscaras. Nesse mundo, a sinceridade é perigosa; repugnante. No reino do Medo, a verdade é o crime dos crimes.

Afora as conjecturas, o fato é que o existir, num mundo que se alimenta das aparências, depende, cada vez mais, de máscaras. É a proteção mais básica. É a ferramenta de “liberdade” dos que são subservientes ao senhor Medo! É a forma única de tentar se aproximar de outem, rompendo o distanciamento que o vírus da maldade exige de cada um. É a construção rasa de amizades e relacionamentos melindrosos, ilusórios, virtuais, conquanto numerosos.

Há alguns, porém, que têm uma dificuldade enorme em simplesmente existir: precisam, mais do que tudo, VIVER! Existir é o que se faz qualquer um que se rendeu ao senhor Medo; que se deixou ser marcado como escravo e servo do desespero, da ansiedade, do pânico. Mas para aqueles para os quais não basta existir, e que rompem os grilhões impostos pelo Medo, a Vida lhes exige que, antes de tudo, suas máscaras sejam arrancadas. Seus rostos ficam, então, desnudados diante do risco que a vida lhes impõe como condição do que ela é em si mesma. Afinal a vida é o que é: é o risco da perda; é a certeza da dor; é a sina de sorrir enquanto se é afligido; é a entrega completa ao amor que tudo sofre, tudo crê e tudo suporta; é a coragem para apresentar a própria feiura, sem pudor, e as marcas que foram sendo impingidas no caminho de se viver; é até mesmo o mergulho na possibilidade da traição, enquanto se carrega a decisão de perdoar sempre!

Poucos têm coragem de romper o isolamento sem máscaras. Poucos têm coragem de apresentar a face marcada sem o medo de se contagiar mais uma vez pelo pavor. Poucos são os que caminham pelas veredas da liberdade, que são pavimentadas com a Verdade. Para esses poucos, a Vida é manifesta! E esses poucos, que conhecem o sabor inigualável de realmente viver, nunca mais retornam à servidão do Medo...

Espero muito que você, para além de existir, arranque a máscara e, com coragem, simplesmente, e sobretudo, VIVA!


Jordanny.

domingo, 19 de abril de 2020

Interestellar: O Tempo e o Amor




INTERESTELLAR: O TEMPO E O AMOR

O tempo traz em si, ou consigo, um fascínio bem peculiar: é assombroso, quando não maravilhoso; é perceptivelmente forte e com sua força nos humilha; é inescapável, ainda que dele tentemos fugir; é pacificador, enquanto guerreamos com ele, até nos rendermos à sua invencibilidade; é sutil, mas de um valor inestimável; é silente, mas estrondoso; sabe curar enquanto fere; sabe ferir enquanto cura; é feroz com os que não o aceitam, e é dócil com os que o reverenciam; é o ourives da saudade e o artesão do saber...

Há alguns anos assisti a um filme que alcançou sucesso incontestável dada à sua história envolvente, apresentada de modo inteligente, sensível, poético, com uma trilha sonora maravilhosa, trazendo em seu bojo teorias de relevância científica, e que abordava o tempo de modo profundo, cativante. A maioria de nós se viu encantado por Interestellar de Christopher Nolan. Nesse filme, o que mais me chamou a atenção foi a existência de dois personagens sutis, fortes, envolventes e assustadores: o tempo e o amor! Sim, a história corre em seus trilhos e os eleva, e os releva!

Quem já assistiu ao filme se recorda do fatídico momento em que, tendo aceitado uma missão que acreditara ter por objetivo salvar sua família e, consequentemente, toda a raça humana, Cooper vai ao quarto de sua filhinha, Murphy, para se despedir e lhe presenteia com um relógio. Naquele diálogo, sabendo de tudo que envolve a dinâmica temporal e sua relatividade, tenta de alguma forma amenizar a situação, dizendo à sua filha que, quando ele estivesse lançado ao cosmos, à deriva na imensidão do espaço rumo ao desconhecido, agarrado a uma fagulha de esperança, o tempo mudaria para ambos. Assim, quem sabe, quando ele retornasse de sua jornada, poderia ter a mesma idade de sua filha. A reação de Murphy, aos 13 anos, não poderia ser diferente: ante a iminente separação de seu pai, não aceitou aquilo e lançou o presente [o relógio] contra a parede, num ato de desespero, por não poder impedir que seu pai fosse.

A história se alonga. O roteiro se desenvolve. As consequências relativísticas aliadas ao tempo são evidenciadas quando alguns membros da tripulação da nave Endurance precisam pousar num planeta que fica próximo a Gargântua, um buraco negro. Ali, poucas horas para Cooper e Amélia Brand resultam em mais de duas décadas relativamente ao tempo que passou na Terra. De volta à Endurance, mais de 23 anos havia passado. Coincidentemente, após esse tempo, Murphy completa a idade que seu pai, Cooper, tinha quando saiu da Terra, e lhe remete uma mensagem lembrando de sua promessa de que retornaria.

Por conseguinte, momentos dramáticos surgem à frente - os quais deixarei para que os leitores se permitam conhecer assistindo ao filme -, que forçam Cooper, em uma tentativa desesperada de salvar a missão, bem como Amélia Brand, a última sobrevivente da tripulação junto com ele. Assim, para conseguir mandar Amélia para o planeta de Edmund, um tripulante de uma missão anterior denominada Lázaro, ele precisa passar junto ao horizonte de eventos de Gargântua, ocasião em que, deixado para trás, sacrifica-se para que sua companheira de viagem chegue ao seu destino.

Solto da nave Endurance, em um módulo de voo menor, Cooper passa a ser atraído de modo inescapável por Gargântua que, à semelhança de Cronos – o deus do tempo -, é um devorador voraz. Engolido por Gargântua, Cooper é arremessado em um hipercubo, que é uma conversão de uma visão pentadimensional para um ser que só consegue acessar o mundo tridimensional. Aquela simulação de cinco dimensões remete Cooper para o quarto de sua filha, onde antes ele lhe tinha dado o relógio, e onde muitos outros fatos essenciais para o entendimento do filme acontecem. 

Cooper então entende que a única forma para se criar aquele ambiente pentadimensional, que lhe permitiria romper o espaço tempo, voltando no tempo em que sua filha ainda era criança, era por meio do amor que lhes envolvia. O amor tinha sido a chave! Sem essa ligação de amor; sem esse laço de afeto, não haveria possibilidade para que os seres – provavelmente humanos – mais desenvolvidos pudessem recriar o portal pentadimensional. Agora, graças ao laço de amor entre pai e filha, Cooper poderia mandar uma mensagem a Murphy. Entende ainda que, para que sua filha e o mundo fossem salvos, era inevitavelmente necessário que ele enviasse a si mesmo para uma aventura que lhe furtaria de ver a história de seus filhos de perto; que lhe furtaria o mais precioso dos bens: o tempo! Nesse momento fica claro quais são os dois personagens principais da história: o tempo e o amor; aquele, porém, submetido a este... Então, valendo-se dos dados que haviam sido coletados dentro de Gargântua, e que decifravam a singularidade, Cooper consegue transferi-los, ironicamente, aos ponteiros de segundos de um instrumento criado com a finalidade de marcar o tempo: um relógio. E Cooper sabia que sua filha, um dia, pegaria de volta aquele presente, uma vez que ele lho tinha dado. Murphy, por sua vez, já adulta, volta ao quarto de sua infância, ao profundo de suas lembranças, à origem de seus fantasmas, e resgata aquele pequeno objeto, percebendo, assim, que seu pai havia lhe mandado uma mensagem, e que essa mensagem era a solução da equação que salvaria toda a humanidade!

O espectador pode ficar curioso quanto à fórmula que rompe a poderosa força da gravidade, que encurva o espaço-tempo, que permite a produção de portais que ligam galáxias distanciadas por milhões de anos luz. Porém, de modo sublime, o autor do filme consegue deixar claro que a fórmula é o amor! O amor rompe todas essas barreiras... Transcende tempo, espaço, eras, cosmos, universos, dimensões, mundos! O amor é a mensagem, é a fórmula, é a solução, é a equação, é o equilíbrio, é o fundamento que rompe a lógica, que humilha a ciência e que, mais do que tudo, concilia-se enquanto vence e submete o tempo a si.

Tempo, relógio, poesia, família, amor: temas que me encantam; temas que me atraem! Espero que você assista ao filme, caso não tenha assistido, e se encante também pelo roteiro, pela história, pela trilha sonora, pelo mistério, pela ciência, pelo tempo e, sobretudo, pela mensagem de amor que entrelaça e transcende tudo isso...

Muito obrigado por ler até aqui,

Jordanny.


sexta-feira, 10 de abril de 2020

A Vida achada na Morte


A VIDA ACHADA NA MORTE

A única vida possível de se experimentar decorre da inevitável morte. Paulo entendeu isso com uma sensibilidade poética e, ao mesmo tempo, com uma precisão empírica, profunda, inescapável. É por isso que ele afirma: "Já estou crucificado com Cristo e agora não vivo mais eu, mas Cristo vive em mim". 

A vida que vive sob o temor da morte não é vida. Por isso, uma vez que a morte não é mais um problema, a vida encontra a intensidade mais plena, a força mais intensa, o caminho absoluto! Paulo, agora consciente de que a morte já não lhe era um problema, posto que jazia crucificado, vivia o que de fato a Vida lhe poderia proporcionar: viveu a completude de seu ministério, mergulhado até as profundezas do propósito de sua vocação. Era a experiência da liberdade plena, ainda que em cadeias. Era o sabor inefável da Graça que, em alguns momentos, concebia-se na ilicitude de expressar com palavras. Era a sensação de arrebatar-se até o terceiro céu, já não importando se no corpo ou fora do corpo, para contemplar o indizível e tocar o intangível!

E sua liberdade tornou-se escândalo! Sim, como a Cruz é escândalo para os religiosos, a liberdade de Paulo, preso à Cruz, tornou-o escândalo, junto com o Seu Senhor! Porém, não só escândalo: sua liberdade era também loucura, era irrazoável e irracional para os sábios.

Sua vida foi plena: alegrou-se; chorou; sorriu; sofreu; fartou-se; passou necessidades; navegou; naufragou; escalou montes; visitou vales; teceu tendas; padeceu fome; fez amigos; viu-se só. Entretanto, acima de tudo isso e, em tudo isso, amou!!! Amou com uma força avassaladora! Amou viceralmente ao Seu Senhor e aos filhos que gerou durante toda a sua existência, no seu celibato. 

Paulo é o paradoxo do morto que, sobretudo, vive como nenhum de nós viveu e, provavelmente, nunca viverá: viveu sem o medo, visto que contagiado estava pelo Amor que lança fora todo o medo; o Amor mais forte que a morte!

Viver sem ter a morte como um problema é o mais libertador dos caminhos. Na Verdade, é o único Caminho para quem deseja experienciar a plenitude da Vida! Para que possamos Viver devemos morrer. Aquele que perder a sua vida, ganha-la-á!

NEle que é a Vida manifesta na Cruz,

Jordanny.