sábado, 5 de janeiro de 2013

Prefiro o Inferno!




Prefiro o Inferno!

            Há uma questão que sempre corroeu as entranhas do meu ser: Como, mesmo diante de um sacrifício tão perfeito e absoluto, os homens não desejam vida eterna apresentada por Cristo? Por várias vezes pensei que, do aspecto humano, a incredulidade poderia até mesmo ser justificável, uma vez que a história Cruz, narrada no texto sagrado, é um tanto incrível. Se não vejamos: um Deus soberano que se faz homem e, como homem, decide ser servo obediente até a morte, e morte de cruz; tudo isso para que fôssemos salvos nEle pelo simples ato de crê-lO como o nosso salvador. Essa afirmação é, em primeiro contato, no mínimo, inacreditável.

            Por esse motivo, pensava eu, é plenamente possível ter razão em não crer. Logo, a rejeição ao sacrifício vicário de nosso Senhor Jesus seria, sim, justificável. Contudo, com o tempo e meditação nessa realidade, passei a compreender que a razão da incredulidade é mais profunda. Como dizem: “o buraco é sempre mais em baixo”. Percebi, então, que há uma incompatibilidade do aspecto mais abrangente da salvação com a questão da incredulidade e, em simples palavras, posso afirmar com convicção que os incrédulos sentem nojo, total repugnância de qualquer substância que venha do Céu. Assim quedou registrado em Números:

Então partiram do monte Hor, pelo caminho do Mar Vermelho, a rodear a terra de Edom; porém a alma do povo angustiou-se naquele caminho. E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito para que morrêssemos neste deserto? Pois aqui nem pão nem água há; e a nossa alma tem fastio deste pão tão vil. (Nm 21.4,5)

            Conforme já bem propôs o príncipe dos pregadores, Charles Spurgeon, e o próprio texto nos revela isso explicitamente, o “povo se angustiou naquele caminho”. E que caminho era aquele? Era o caminho proposto e designado por Deus. Esse caminho passava pelo deserto. Essa nossa existência terreal, por várias vezes, nos apresenta o deserto como sendo o caminho de Deus. Há pessoas que irão responder bem a esse caminho por meio de um aperfeiçoamento interior. Há outros que irão simplesmente se permitir afundar no amargo do ser, sem compreender e, tampouco, submeter ao que o caminho significa.

            Muitas coisas que acontecem em nossas vidas, por mais duras que sejam, representam um propósito maior, sob a regência soberana do Criador. Angustiar-se nesse caminho é comum para os que não são capazes de experimentar as dádivas do céu e as próprias maravilhas que ali podem se manifestar. O resultado é uma vida amarga e que já não contenta com tudo que, em Deus, é adquirido. Você, caro ledor, provavelmente já encontrou pessoas tão amargas que não manifestam qualquer sorriso ou satisfação; refletem em seu semblante apenas uma contrariedade ímpar e uma insatisfação gritante. São rostos decaídos e enfurecidos com a vida. Suas bocas apenas propagam palavras azedas e desconfortáveis, por meio de palavrões e xingamentos que transbordam murmúrios e descontentamentos. Já não manifestam sensibilidade ao sorriso de uma criança, ou ao abrir de uma flor.

            Naqueles dias, o povo de Israel, com propriedade peculiar de um incrédulo que não vê mesmo diante de provas incontestáveis, chega ao ponto de dizer que o maná, o pão que descia do céu, era vil. Ó, que comparação terrível! O pão que o Senhor, que os havia libertado do cativeiro, mandava dos céus era, justamente, o pior tipo de alimento para cada um daqueles que murmuravam. Fico imaginando como isso atingiu o coração de Deus; quão grande dor a incredulidade e a murmuração produziram em Seu coração. É impossível ao homem colocar-se no lugar de Deus; mas, imaginar a tristeza de Seu interior, ainda que modo diminuto, pode nos fazer compreender a dureza da pena que Ele prescreveu sobre a nação israelita: serpentes venenosas.

            Eu gostaria de voltar um pouco nas infelizes palavras que o povo israelita pronunciou: “E a nossa alma tem fastio desse pão vil”. Que expressão dura, diante de uma dádiva gloriosa e incomparável. O salmista nos deixa claro que aquele alimento que era dado, gratuitamente, ao povo, era a comida dos anjos (Sl 78.25), propriamente dita. Não havia algo melhor de Deus a ser dado ao Seu povo que próprio alimento dos anjos. Era comida celestial! É esse alimento que gera nojo e repugnância ao estômago incrédulo. Que tipo de repugnância era essa? Era do tipo de quando alguém come abastadamente, fartando-se e é colocado, novamente, alimento diante dele; uma vez empanturrado, ele não sente mais o desejo de comer; porém, é preenchido por um sentimento de repugnância. Assim, para o ímpio e incrédulo o céu não lhe é o lugar ideal para se viver, mas é fastio, repugnante, tedioso e sem qualquer atrativo que lhe abra o apetite. Isso porque ele já se vê abastado de sua injustiça e maldade ao ponto que o alimento divino lhe é indesejado e, porque não dizer, vil.

            Devemos entende ainda que aquele pão, descido do céu, já figurava o propósito de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é o Pão que desceu do céu. Esse pão não gera fastio nos justos, que foram justificados por Sua indizível Graça. Não! Pelo contrário, aqueles que são justificados clamam por esse Pão mais do que por qualquer outra coisa:

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos (Mt 5.6)

            A incredulidade gera conformidade para com a injustiça. A injustiça opera enchendo as entranhas dos ímpios nunca os deixando satisfeitos, mas sempre inflando seu interior para que não se manifeste apetite pelas coisas que são de Deus; para as boas obras que Ele preparou para que andássemos nelas. Assim, aquele que rouba sente cada vez mais desejo de roubar, mas não se alegra na satisfação do trabalho digno; aquele que mente, não se sacia de sua mentira, mas foge diante do aroma da verdade, o qual lhe é nauseante; aquele que adultera se empanturra de pensamentos lascivos e de desejos impuros, mas não se interessa pelo prazer que engloba o enlace matrimonial e tudo que daí decorre, tal como a fidelidade, o amor e o desejo de se ofertar àquele que ama.

            O Pão descido do céu apenas sacia a fome daquele que efetivamente sente fome das coisas que são inerentes ao céu. Num mundo sem paz, será saciado aquele sente fome e sede de paz; num mundo de rancor, será saciado aquele tem fome e sede de perdoar e de ser perdoado; num mundo de trevas, será saciado aquele que tem fome e sede da luz que resplandece as boas obras; num mundo de angústia, será saciado aquele que tem fome e sede de refrigério para a alma; num mundo de soberba, será saciado aquele que tem fome e sede de humildade; num mundo de desordem, será saciado aquele que tem fome e sede de obedecer; num mundo de impiedade, será saciado aquele que tem fome e sede pela causa dos desamparados e necessitados. Assim, como bem diz o texto: “bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados”.

            Aqui a salvação não se manifesta em simplesmente crer em Jesus, como expressão vazia de significado; na verdade, a salvação se estende àquele que crê no que o homem e o Deus Jesus representa. Ele representa a verdade, a justiça, o amor, a paz, a bondade, o juízo, a mansidão, a humildade; representa também o ódio e a ira a tudo aquilo e a todo aquele que se faz contrário à sua obra. Eis um resumo de Sua soberana obra:

Mas o fruto [a obra] do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança. (Gl 5.22)

            Deus nos designou para que trilhássemos pelo caminho desértico dessa existência, nessa vida aqui. Mas, ainda aqui, mesmo diante de toda a provação, recebemos dádivas grandiosas do nosso bom Deus. É só começarmos a observar! Tal como naqueles dias o Senhor se manifestava, indo adiante do povo, numa coluna de nuvem, que amenizava o ferrenho sol do dia e numa coluna de fogo que, além de protegê-los, os aquecia das frias noites, hoje temos o refrigério de Seu Espírito, que nos consola e o calor de Seu poder que nos aquece. Esses refrigério e calor se manifestam também no amor e na união da Igreja do Senhor Jesus; daqueles irmãos que não perdem a oportunidade de se congregarem em amor. Longe desse ambiente há desolação e tristeza. O Pão do céu que temos acesso hoje é muito mais glorioso que aquele dado ao povo de Deus, no deserto: É Cristo ressurreto, em quem podemos crer, confiar e nos alimentar. A Sua justiça e a Sua obra saciam a nossa fome e sede, motivando-nos a vivermos nEle, dEle e para Ele; cumprindo Seu glorioso propósito e anunciando Seu magnífico evangelho.

            Após expor tudo isto, acredito que o título do presente texto se faz autoexplicativo. “Prefiro o Inferno” é justamente o que diria um ímpio em toda a sua perversidade interior. Estranho tratar assim de forma tão contundente, mas essa é a pura verdade. Contudo, neste momento, eu gostaria que cada um de nós fizesse um exame pessoal. É provável que assim percebamos que, em grande parte desta nossa jornada aqui na Terra, temos de mesmo modo preferido o Inferno ao Céu.

            Olhe para si mesmo e veja o quanto o seu coração tem ansiado por justiça, por santidade, por amor e pela glória de Deus! Qual tem sido, por exemplo, a nossa reação diante daqueles que experimentam a dor e a desolação? Os pequenos e necessitados têm obtido de nós apenas a frígida indiferença e essa se faz uma realidade incontestável. A nossa omissão revela o quanto o pão do Céu (Cristo) tem se revelado fastio ao nosso interior inchado, cheio de nossos desejos egocêntricos. De mesmo modo, quando ninguém está próximo, você tem se rendido à pornografia e à imoralidade como se isso não representasse nem mesmo pecado? E os seus desejos? Tem sido apenas para alimentar o buraco negro do seu ego? Ainda poderia citar a sua sede de sempre sair ganhando sobre os outros, aliás, vivemos no mundo dos espertos! Esse é o famoso "jeitinho" brasileiro, não é mesmo? 

            É momento de reflexão, pois as nossas atitudes em relação ao pecado e a nossa omissão diante da injustiça revelam se temos preferido ao céu ou ao inferno!
     
Jordanny Silva.

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