terça-feira, 11 de junho de 2024

Tua Vontade

 


Tua Vontade

 

          A alma humana está sempre inundada de anseios e o mais difícil para a maioria de nós é lidar com a inescapável condição da imprevisibilidade de grande parte das coisas que estão diante de nós. Ainda que vivamos sob a regência do Criador, sob os cuidados da Providência, nossos sentidos estão inclinados ao temor, à insegurança e tantas vezes à falta de fé. O grande problema é que isso se torna justamente a armadilha mais comum utilizada por aqueles que estão imbuídos de enganar, fraudar, aprisionar e deturpar consciências.

 

          Ora, não é incomum uma reunião religiosa extremamente cheia em virtude de ali estar alguém que se autoafirma profeta e que alega ser detentor das mais profundas revelações divinas. Livros apocalípticos, profecias, quiromantes, astrólogos, oráculos, consultores de búzios, cartógrafos astrais, necromantes, médiuns, sejam clérigos que dizem cristãos ou sacerdotes pagãos, conseguem sempre arrebatar a atenção de multidões. E qualquer que seja a revelação, boa o ruim – de preferência a ruim mesmo -, alcança o olhar dos expectadores, mesmo daqueles que não creem, visto que a curiosidade reside em nós, compondo uma parte da nossa natureza responsável por tamanho desenvolvimento, mas também por incomparável destruição. Até mesmo uma “revelação” do inferno ganha tantas vezes mais atenção do que uma palavra de sabedoria simples e do que a constatação do óbvio.

 

          Quando não são as “revelações”, as instruções, regras e métodos quase que mágicos passam a alcançar essa audiência. Não obstante, vivemos no tempo dos coachs, que se dizem mestres de metodologias revolucionárias; de compreensões neurolinguísticas infalíveis; de lições de valor incalculável. E os expectadores logo compram cursos, seguem ideias, absorvem conceitos prontos a fim de mudar suas vidas, estilo de ser, finanças; esperam ganhar confiança para conquistar alguém ou algo. O objetivo é sempre vencer, obter. Poucas vezes o objetivo é ser.

 

          Há também aqueles que passam a ser guiados por conteúdos de autoafirmação; por mestres que lhes garantam uma melhor autoestima; por frases de efeito ou manuais de autoajuda; por mensagens que lhes exalte o amor próprio; que lhes faça relembrar de suas qualidades mais excelentes; por conceitos que lhes conduzam à autocontemplação e a autoexaltação. Nesse contexto, o juízo que deveríamos lançar sobre nós mesmos, em nossa autorresponsabilidade, sobre as nossas falhas, erros e pecados, deve ser amenizado, praticamente excluído e substituído pelo foco na supervalorização de si mesmo. Esses métodos são tantas vezes voltados à formação de verdadeiros narcisistas, amantes de si mesmos.

 

          Tudo isso acontece quando, levados pela necessidade, pela sensação de frustração, pela dor da perda, pelo fardo da culpa, pelo vazio desesperador, pela desesperança aterradora, pelo medo estagnante, pela desilusão frequente e desoladora, pela carência ardente, e já com a nossa capacidade de julgamento totalmente debilitada, entramos em um estado de miserável vulnerabilidade e partir daí nos convertemos nas vítimas perfeitas para todo tipo de “mestre”, “doutor”, “profeta” da conveniência que alega ter soluções garantidas para o sucesso. Ao mesmo tempo, outro fenômeno já percebido e profetizado por Paulo acontece: passamos a ajuntar para nós mesmos doutores segundo a nossa própria concupiscência, no afã de atendermos nossos caprichos, e nos rendemos à mensagem que nos alegra o ouvido, como comichões que nos fazem cócegas à audição.

 

          Foi pensando em tudo isso que decidi escrever a presente reflexão, que, para muitos, poderá vir como balde de água fria em seus sonhos e ilusões, mas para alguns pode ter um efeito pulsante de verdade e de realidade tantas vezes óbvias, porém distanciadas pelas vulnerabilidades da percepção já tão debilitada pelas “verdades” de nosso tempo. E aqui me proponho a falar, ainda que rapidamente, de um dos mais difíceis temas da fé, conquanto já tão repetidamente erguidos nos púlpitos, conferências, seminários, retiros espirituais, congressos, livros etc.: a Vontade de Deus!

 

          Quero, porém, iniciar respondendo à seguinte pergunta: como conhecer e compreender a vontade de Deus? Para a maioria de nós cristãos, crer em Deus significa crer em um atributo que somente a Ele pode ser conferido: a onipotência. Da onipotência, evidentemente, decorrem a onisciência e a onipresença. Ou seja: se Ele é onipotente, necessariamente é onisciente e onipresente. Mas para fins didáticos podemos facilmente dizer que esses três atributos são exclusivos do Eterno. Assim sendo, não há que se questionar, aos que creem, que Deus, em sua soberania, tem controle sobre tudo e sabe tudo. Presente, passado e futuro não são limitadores de Seu absoluto conhecimento e nem mesmo do Seu agir soberano. Logo, quais as implicações de se responder a questão acima? Inevitavelmente, conhecer e compreender a vontade de Deus representa ter acesso a um poder inimaginável; é ter acesso à possibilidade de viver distante da sina do erro; é tornar-se assertivo e caminhar em direção oposta ao fracasso. Isso provavelmente já atraiu a sua atenção, não é mesmo? Aliás, quem de nós tem prazer no fracasso?

 

          Imaginemos, por um instante, se tivéssemos acesso tão somente aos eventos que representam as decisões mais importantes de nossas vidas: conectar-se a tais informações antecipadamente é o mesmo que garantir um “checkpoint[1]” ou mesmo a uma opção de “save state[2]”, entretanto, na vida real. O pensamento aparentemente lógico nos leva a crer que uma compreensão como essa nos tornaria quase infalíveis, ou pelo menos, mais exitosos que praticamente a totalidade das pessoas que habitam a terra. Quantas oportunidades não mais seriam perdidas se tivéssemos como calcular com uma antecipação sobrenatural cada efeito, cada possibilidade decorrente de tais oportunidades?

 

          A verdade é que o homem tem uma obsessão pela previsão. Desde cálculos astronômicos que conseguem prever com precisão as distâncias dos astros, fenômenos tais como eclipses ou alinhamentos planetários, tempestades solares que eclodem em incidências mais ativas das auroras boreais, e até mesmo com probabilidade de atingir alguns de nossos equipamentos de comunicação; ou mesmo os cálculos probabilísticos da física quântica que já manifestam certa assertividade e previsibilidade; também temos as previsões econômicas que, seguindo determinadas regras, conseguem definir as melhores probabilidades de investimentos; até mesmo a própria previdência pública, complementar ou privada tem por finalidade dar conforto a quem se programa e aprende a poupar desde cedo. Ainda como exemplo, uma informação antecipada acerca de uma commodity pode definir o ganho ou a perda de bilhões de dólares no mercado de capitais. É nesse afã – e reitero – que maioria de nós se lança cegamente em qualquer fonte de conhecimento que se propõe a supostamente antever, revelar, explicar, sistematizar, pontuar, detalhar qualquer conhecimento que de alguma forma nos levará a garantir êxito em algo; principalmente se esse êxito depender de pouco esforço.

 

          Contudo, o problema de ser responder à questão proposta fica exposto quando, após uma abordagem profunda sobre graça, lei, fé, pecado, eleição, rejeição, redenção, misericórdia, soberania e tantos outros assuntos, Paulo afirma o seguinte:

 

“Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.” (Romanos 11:33-36)

 

          É nesse momento que compreendemos que a mente de Deus é simplesmente incompreensível; compreendemos que, tal como uma sonda lançada a um buraco negro se perderia com todas as suas imensuráveis informações, Seus juízos são inalcançáveis; compreendemos que Seus caminhos são impossíveis de ser investigados. Assim sendo, chegamos à inescapável e talvez dolorosa resposta àquela pergunta: como conhecer e compreender a vontade de Deus? A resposta vem de modo lógico: se não há como sondar a mente do Senhor, como perscrutar os seus caminhos e os seus juízos, a Sua vontade é de mesmo modo inacessível. Ou seja: não há como compreendê-la. Pelo menos não da forma mágica que tantos creem ser possível. Paulo foi resoluto, inflexível, quanto a isso! Ao ler a carta aos Romanos nos capítulos 9, 10 e 11, o nosso coração se contorce; nosso ser se angustia. Por esse motivo, provavelmente, esse é um dos textos de maior debate entre aqueles que estudam ardentemente doutrinas tão complexas que tangem a soteriologia[3] e, infelizmente, ao que parece, tais estudiosos invalidam essa verdade tentando dizer como são os decretos de Deus, ou como se estabelece a Sua Soberania. Eu, particularmente, decidi fugir de discussões intermináveis e tantas vezes vazias de significado prático me rendendo, em fé, à conclusão do próprio apóstolo: porque DEle, por Ele e para Ele são todas as coisas. Porém, não é esse o foco da presente reflexão.

 

          Em seguida, ainda em resposta a essa intrigante pergunta, após aparentemente nos deixar desesperançados quanto à possibilidade se conhecer a profundidade da mente de Deus e, consequentemente a profundidade da Sua vontade, Paulo inicia o capítulo 12:

 

ROGO-VOS, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus. (Romanos 12:1-2)

 

          Nesse momento a linguagem do apóstolo parece mudar e ele é tomado pela necessidade de registrar uma súplica aos destinatários de sua carta. Sim, Paulo roga pela compaixão de Deus e, aqui, eu gostaria de chamar a sua atenção para as implicações disso: ele sabia o significado profundo da compaixão do Seu Senhor; sabia que a compaixão de Seu Deus era implacável e assustadora, a qual não teve misericórdia sequer de Seu Filho[4]. E essa súplica é para que apresentemos os nossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, como manifestação do culto mergulhado em racionalidade. Como certa vez li, é importante destacar que não é o culto à razão, mas é um culto cheio de racionalidade.

 

          Esse culto requer a entrega completa de todo o nosso ser. Nesse sentido, não se trata apenas do nosso corpo, que é a expressão exteriorizada daquilo que reveste o nosso ser. O corpo, em muitos casos, representa as nossas vestes sacerdotais; é o nosso éfode[5]; é a sobrepeliz que identifica apenas uma projeção do que somos; uma aparência tão somente. Contudo, preciso insistir que o contexto de corpo aqui apresentado pelo menor dos apóstolos refere-se à completude do ser. É a apresentação absoluta de tudo que somos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.        

 

          Desse sacrifício, então, impõe-se a negação de si mesmo, ao contrário da autocontemplação e autoadimiração tanto exaltados nos nossos dias. Por isso é que Paulo fala de sacrifício vivo, ou seja: não impera a forma sacrificial e os holocaustos literais realizados na antiga aliança; antes, é a rendição e submissão dos próprios desejos e vontades à soberania absoluta do Eterno. É ainda o sacrifício pulsante, orgânico, ativo, pró-ativo; por isso, vivo. É perder a vida para ganhá-la e é negar-se a si mesmo a fim seguir àquEle que, longe das aparências, manifesta essência em tudo que expressou[6]: no olhar, no agir, no falar, no andar, no descansar, no orar, no sentir, no chorar, no crer, no amar; enfim, no viver.

 

          Mas esse sacrifício, além de vivo, deve ser santo, separado, apartado do que é essencialmente inerente a esse mundo caído. Ou seja: fora das ideologias e filosofias vãs; fora do religiosismo obcecado; fora dos padrões impostos pela soberba e dos valores, tradições e princípios deturpados de nosso tempo; fora dos impulsos egoístas, que buscam nos reger; fora do domínio das emoções e das razões vãs; fora da perversão e perversidade tão intrínsecas à natureza pecaminosa. É a santificação, a separação da essência do mal que impera sobre esse mundo caído e sobre a nossa natureza caída.

 

          Somente assim esse sacrifício se torna qualitativo e alcança o status de agradável a Deus e, enquanto agradável, é racional, cheio de consciência e de propósito. Vem inundado de verdade enquanto, aos poucos, aniquila o que é tão somente aparente, revelando-se em essência: convertendo o dever-ser em, de fato, ser. É o mergulho que busca conhecer a Deus, e que nos torna, antes, conhecidos dEle[7]! E, enquanto racional, é culto. Relembremos que o termo culto tem o mesmo radical da palavra cultura; e a palavra cultura tem em si mesma um vínculo com o cuidado e o cultivo da terra. Logo, é cultivo, enquanto cuidado; e é cultivo enquanto é preparo de solo para plantio e crescimento; é culto também enquanto amanha, enquanto lavra, enquanto arruma tudo para a semeadura. É culto por ser o ambiente onde tudo é preparado para que algo brote; para que a semente seja lançada, e que se torne árvore e que a árvore floresça e dê frutos.

 

          Então, e somente então, já não amoldado a esse mundo, o ser vai se transformando mediante a renovação da mente e aqui chegamos ao ponto chave: a vontade de Deus, que é inacessível ao conhecimento decorrente do meu intelecto, torna-se acessível à minha experiência. Posso estar privado de conhecer a vontade de Deus por meio da lógica humana e de artifícios forçosos que se autoaclamam sobrenaturais, mas Ele não me priva de prová-la, de experimentá-la. Ao passo que meu sacrifício é vivo, e é santo, e é agradável a Deus, e que eu vou sendo transformado pela renovação da minha mente, Sua vontade vai se tornando parte da experiência do meu ser, que já a percebe e, mais que isso, a prova como boa, agradável e perfeita. O conhecimento da vontade de Deus decorrente do estágio de contemplação das coisas seria objetivo; já a experiência dessa vontade é subjetiva, pessoal, individual.

         

          Assim, entendemos por que Cristo não orou “Pai, faça-os conhecer a tua vontade”, mas orou: Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu. Nosso Salvador, desde o início, tratou a vontade do Pai como o âmago da necessidade humana; como o desejo profundo de qualquer um que verdadeiramente vai se convertendo na figura humana, conforme Ele nos ensinou a ser, sendo. Sua fome estava totalmente voltada para a vontade de Deus; os desejos do Mestre não se voltavam para o Seu ventre, mas, antes, Seu ventre apontava para a vontade divina; e não cumprir à vontade do Pai representava para Cristo adentrar em estado de inanição física, almática e espiritual[8]. Mesmo em Seu tabernáculo humano, no peitoral de Sua alma, junto ao Seu coração, estavam depositados o Urim e Tumim[9], revestindo Sua consciência e guiando os seus passos.

 

          A vida de Cristo, conforme lemos nos Evangelhos é a manifestação, é o testemunho, é a tangibilidade[10] dessa vontade. Os que contemplaram Jesus foram impactados pela profundeza dessa experiência, de sorte que nunca mais puderam ser os mesmos. Paulo passa a considerar sua vida menos valiosa do que a sua vocação, em face do impacto que essa experiência teve sobre ele[11]. A experiência da Luz que lhe cega e lhe derruba, e da Voz que confronta sua obstinação, converte aquele homem instintivo e animalesco (no sentido mais vil da palavra), que resistia aos aguilhões daquela fé que emergiu do incontestável fato da morte e ressurreição de um simples judeu, em um ser dócil, pronto a dar a sua vida; de perseguidor, torna-se perseguido; de algoz, passa a ser prisioneiro; de cuidadoso e zeloso pela lei, torna-se cuidado e zelado pela Graça; de silenciador de crentes, passa a ser anunciador de boas novas!

 

          Mais à frente, na leitura seguida de suas cartas, Paulo chega a dizer:

 

(...) que ele fez abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência; descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra; nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade; com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo; em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. (Efésios 1:8-13)

 

          A encarnação de Cristo, na dispensação da plenitude dos tempos, como experiência histórica e ao mesmo tempo Eterna, com o propósito de tornar a congregar em Si todas as coisas que estão nos céus e na terra é a experiência máxima que nos faz conhecer a Vontade de Deus. É a partir daí que o mistério é descoberto: sempre na experiência do Emanuel (Deus conosco) e, conforme a Sua promessa, com a experiência de Deus em nós, por meio do Seu Espírito!

 

          Entendemos, assim, que a experiência impactante da vontade de Deus converte o ser em um dínamo no Espírito. Quem mergulha no “provar de Deus”, não mais consegue viver fora desse oceano. O aquário da religião não lhe é mais suficiente; os contêineres das ideologias e filosofias humanas não mais lhe preenchem a fome existencial; as mais resistentes amarras deste mundo são como fios de linhos que se arrebentam no simples mover dos pulsos[12]; as belezas da vida terrena se tornam pálidas, gris, tal como uma pintura envelhecida e mofada. O respirar daquele que experimenta a vontade de Deus é sempre um suspiro de vida e de saudade, e de anseio por provar mais e mais dEle: é a conexão enamorada entre o espírito humano e o Espírito de Deus. Aqui, fontes terreais são como desertos em comparação à Fonte de Água Vida que flui de seu interior, e assim desertos convertem-se em fontes.

 

          É nesse sentido que o salmista escreve:

 

Provai, e vede que o SENHOR é bom; bem-aventurado o homem que nele confia. (Salmos 34:8)

 

          Não sei ao certo se dessa experiência, desse provar, nascem a fé e a confiança ou se da fé e da confiança nasce essa experiência. Para Paulo, ao que parece, da experiência vieram a fé e a confiança, mas para tantos pode ser que o contrário também se faça verdadeiro. Como já disse, a experiência é sempre subjetiva, pessoal, assim como a fé e a confiança. Ou talvez, a experiência, a fé e a confiança aconteçam juntas. O certo é que quanto mais se amplia um, o outro também se amplia: logo, fé, experiência, confiança crescentes geram calmaria; convertem o navegar existencial, antes vazio, turvo, perdido, sem significado, em bem-aventurança, cheio de propósito, achado, conhecido, ressignificado. Aquele que prova também vê que o Senhor é bom; e quanto mais se prova, mais se vê; e quanto mais se vê, mas se quer provar.

 

          Nem mesmo as riquezas celestiais são mais atrativas do que esse provar, do que essa experiência. Cidade de ouro, muros de jaspe, fundamentos de pedras preciosas, portas de pérola: o que significa tudo isso perto do eterno mergulho no Eterno? É tão verdade que a Nova Jerusalém sequer tem Templo, visto que Ele se torna o nosso Templo.

 

          Agora visito mais um ponto de tudo que aqui escrevo: conquanto não conheçamos a mente do Senhor, a experiência de Sua Vontade é a forma que Ele se revela a nós. A mente de Deus é no mínimo assustadora e não pode habitar em qualquer ser criado. É por isso que cremos que Cristo é Eterno, incriado. Jesus não é o Filho do eterno Deus: antes, é o Eterno Filho de Deus[13]! Já nós, somos filhos do Deus Eterno. Porém, não podendo conhecer a Sua mente, na experiência dessa Vontade, enquanto é feita nos céus e na terra e, principalmente em nós, passamos a conhecer-Lhe. E, assim, dEle também testificamos. E esse testificar vai se refletindo como testemunho fiel e verdadeiro; vai impactando nossas vidas e nos moldando à figura de Seu Filho[14], verdadeiro homem e único e verdadeiro Deus. Tal testemunho, inevitavelmente, irá fluir para impactar a tantos outros que estão próximos a nós. Tal testemunho nos compele a fazermos discípulos de Jesus onde quer que cheguemos. A Vida que transborda daquEle que experimenta a Sua Vontade gera Vida naqueles que, em vida, habitam a morte. O que quero dizer, de modo prático, é que essa experiência vivifica, e restaura, e transforma, e reconcilia. E isso se expande a tudo que se pode imaginar: vivifica casamentos; restaura relacionamentos e restabelece comunhão; transforma caráter; reconcilia o próprio cosmo!

 

          A experiência da Vontade de Deus consolida Seu amor em nossos corações e nos liberta das amarras, do desânimo e medos que antes nos visitavam, seja o medo do futuro, sejam as amarras do passado, seja o desânimo no presente. Experimentar Sua boa, agradável e perfeita vontade, nos emancipa da necessidade dos oráculos da perversidade e do interesse próprio, dos mestres do engano e dos doutores da concupiscência e do legalismo. Aprendemos a apreciar a simplicidade que habita em Cristo; a nos degustar de Sua natureza sem as complicações dos métodos, das tradições, de mediadores quaisquer que sejam – clericais, sacerdotais, liberais ou legais -; saímos da enrijecida letra morta; dos rudimentos fracos e pobres da antiga aliança. Aprendemos a viver segundo o Espírito que vivifica, o qual também habita as nossas consciências e os nossos corações, revelando-se o Urim e Tumim de nossas decisões. Passamos a viver independentes do futuro e dependentes daquEle que já nos guardou em Si Mesmo, o qual é o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim! A própria insegurança é afastada de nós, visto que confiamos nEle e, assim, descansamos nEle; caminhamos nEle e vencemos pela fé nEle.

 

          Na prática, nos tornamos homens e mulheres mais seguros, decididos, disciplinados. Nos tornamos combativos, corajosos, ousados (Efésios 6:12) ao mesmo tempo que somos amorosos, alegres, pacíficos, bondosos, benignos, longânimos, fiéis, mansos, pacientes (Gálatas 5:22).

 

          É a experiência da Sua boa, agradável e perfeita vontade que nos faz entender que, dEle, somos inseparáveis, indivorciáveis:

 

Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. (Romanos 8:38-39)

 

          Aleluia! É nessa confiança que nos apegamos; é nessa promessa que nos firmamos; é dessa verdade que nos alimentamos! Como eu disse no começo dessa simples e humilde reflexão, revestidos dessa consciência não seremos vítimas de abusos, de mentiras, de enganos. Não seremos reféns sequer do tempo, nem da morte!

 

          NEle, que se fez Pão e Vinho, para que dEle comamos e dEle bebamos, espero que essa reflexão de alguma forma te edifique,

 

          Gama, 29 de maio de 2024.

 

 

          Jordanny.

 

 

 

  



[1] Checkpoint: termo conhecido nos vídeo games onde você tem a possibilidade de tentar o desafio a partir de um determinado ponto do jogo quando você perde logo à frente. Exemplo: você está enfrentando um chefão e é derrotado, então, logo você é remetido para o último “checkpoint” salvo.

[2] Save state: é uma opção no jogo de vídeo game onde você pode a qualquer momento salvar e, caso perca um desafio logo à frente, te permite começar imediatamente do ponto onde você salvou e com as mesmas condições.

[3] Soteriologia: parte da teologia sistemática que trata da salvação. As divergências mais clássicas residem entre os arminianos, que creem até certo ponto no livre arbítrio, e os calvinistas que creem na predestinação.

[4] Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? (Romanos 8:32)

[5] Éfode era a túnica, o vestuário exterior utilizado pelo Sumo Sacerdote de Israel.

[6] E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará. (Lucas 9:23-24)

[7] Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus (Gálatas 4:9)

[8] Então os discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe, porventura, alguém algo de comer? Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra. (João 4:33-34)

[9]Urim e Tumim era um instrumento que possibilitava que os sacerdotes conseguissem interpretar a vontade de Deus a respeito de um determinado assunto.

[10] O QUE era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida (Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e nos foi manifestada) o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo. (1João 1:1-3)

[11] Atos 20:24.

[12] Juízes 15:13-14

[13] NO princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. (João 1:1-3)

[14] E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente. (Efésios 4:11-14)

 


2 comentários:

Wilma Rejane disse...


Graça e paz de Jesus, Jordanny!

Bela e verdadeira reflexão, parabéns pela riqueza do conteúdo!

Blog do Jordanny Silva disse...

Graça e paz, Wilma!

Obrigado ter dado uma passada por aqui!

Que Deus te abençoe ricamente e sempre!