Tua Vontade
A alma humana está sempre inundada de
anseios e o mais difícil para a maioria de nós é lidar com a inescapável
condição da imprevisibilidade de grande parte das coisas que estão diante de
nós. Ainda que vivamos sob a regência do Criador, sob os cuidados da
Providência, nossos sentidos estão inclinados ao temor, à insegurança e tantas
vezes à falta de fé. O grande problema é que isso se torna justamente a
armadilha mais comum utilizada por aqueles que estão imbuídos de enganar,
fraudar, aprisionar e deturpar consciências.
Ora, não é incomum uma reunião
religiosa extremamente cheia em virtude de ali estar alguém que se autoafirma
profeta e que alega ser detentor das mais profundas revelações divinas. Livros
apocalípticos, profecias, quiromantes, astrólogos, oráculos, consultores de
búzios, cartógrafos astrais, necromantes, médiuns, sejam clérigos que dizem
cristãos ou sacerdotes pagãos, conseguem sempre arrebatar a atenção de
multidões. E qualquer que seja a revelação, boa o ruim – de preferência a ruim
mesmo -, alcança o olhar dos expectadores, mesmo daqueles que não creem, visto
que a curiosidade reside em nós, compondo uma parte da nossa natureza
responsável por tamanho desenvolvimento, mas também por incomparável
destruição. Até mesmo uma “revelação” do inferno ganha tantas vezes mais
atenção do que uma palavra de sabedoria simples e do que a constatação do
óbvio.
Quando não são as “revelações”, as
instruções, regras e métodos quase que mágicos passam a alcançar essa
audiência. Não obstante, vivemos no tempo dos coachs, que se dizem mestres de
metodologias revolucionárias; de compreensões neurolinguísticas infalíveis; de
lições de valor incalculável. E os expectadores logo compram cursos, seguem
ideias, absorvem conceitos prontos a fim de mudar suas vidas, estilo de ser,
finanças; esperam ganhar confiança para conquistar alguém ou algo. O objetivo é
sempre vencer, obter. Poucas vezes o objetivo é ser.
Há também aqueles que passam a ser
guiados por conteúdos de autoafirmação; por mestres que lhes garantam uma
melhor autoestima; por frases de efeito ou manuais de autoajuda; por mensagens
que lhes exalte o amor próprio; que lhes faça relembrar de suas qualidades mais
excelentes; por conceitos que lhes conduzam à autocontemplação e a autoexaltação.
Nesse contexto, o juízo que deveríamos lançar sobre nós mesmos, em nossa
autorresponsabilidade, sobre as nossas falhas, erros e pecados, deve ser amenizado,
praticamente excluído e substituído pelo foco na supervalorização de si mesmo.
Esses métodos são tantas vezes voltados à formação de verdadeiros narcisistas,
amantes de si mesmos.
Tudo isso acontece quando, levados
pela necessidade, pela sensação de frustração, pela dor da perda, pelo fardo da
culpa, pelo vazio desesperador, pela desesperança aterradora, pelo medo
estagnante, pela desilusão frequente e desoladora, pela carência ardente, e já
com a nossa capacidade de julgamento totalmente debilitada, entramos em um
estado de miserável vulnerabilidade e partir daí nos convertemos nas vítimas
perfeitas para todo tipo de “mestre”, “doutor”, “profeta” da conveniência que
alega ter soluções garantidas para o sucesso. Ao mesmo tempo, outro fenômeno já
percebido e profetizado por Paulo acontece: passamos a ajuntar para nós mesmos doutores
segundo a nossa própria concupiscência, no afã de atendermos nossos caprichos,
e nos rendemos à mensagem que nos alegra o ouvido, como comichões que nos fazem
cócegas à audição.
Foi pensando em tudo isso que decidi
escrever a presente reflexão, que, para muitos, poderá vir como balde de água
fria em seus sonhos e ilusões, mas para alguns pode ter um efeito pulsante de
verdade e de realidade tantas vezes óbvias, porém distanciadas pelas
vulnerabilidades da percepção já tão debilitada pelas “verdades” de nosso tempo.
E aqui me proponho a falar, ainda que rapidamente, de um dos mais difíceis
temas da fé, conquanto já tão repetidamente erguidos nos púlpitos,
conferências, seminários, retiros espirituais, congressos, livros etc.: a Vontade de Deus!
Quero, porém, iniciar respondendo à
seguinte pergunta: como conhecer e
compreender a vontade de Deus? Para a maioria de nós cristãos, crer em Deus
significa crer em um atributo que somente a Ele pode ser conferido: a
onipotência. Da onipotência, evidentemente, decorrem a onisciência e a
onipresença. Ou seja: se Ele é onipotente, necessariamente é onisciente e onipresente.
Mas para fins didáticos podemos facilmente dizer que esses três atributos são
exclusivos do Eterno. Assim sendo, não há que se questionar, aos que creem, que
Deus, em sua soberania, tem controle sobre tudo e sabe tudo. Presente, passado
e futuro não são limitadores de Seu absoluto conhecimento e nem mesmo do Seu
agir soberano. Logo, quais as implicações de se responder a questão acima?
Inevitavelmente, conhecer e compreender a vontade de Deus representa ter acesso
a um poder inimaginável; é ter acesso à possibilidade de viver distante da sina
do erro; é tornar-se assertivo e caminhar em direção oposta ao fracasso. Isso
provavelmente já atraiu a sua atenção, não é mesmo? Aliás, quem de nós tem
prazer no fracasso?
Imaginemos, por um instante, se
tivéssemos acesso tão somente aos eventos que representam as decisões mais
importantes de nossas vidas: conectar-se a tais informações antecipadamente é o
mesmo que garantir um “checkpoint[1]” ou mesmo a uma opção de
“save state[2]”,
entretanto, na vida real. O pensamento aparentemente lógico nos leva a crer que
uma compreensão como essa nos tornaria quase infalíveis, ou pelo menos, mais
exitosos que praticamente a totalidade das pessoas que habitam a terra. Quantas
oportunidades não mais seriam perdidas se tivéssemos como calcular com uma
antecipação sobrenatural cada efeito, cada possibilidade decorrente de tais
oportunidades?
A verdade é que o homem tem uma obsessão
pela previsão. Desde cálculos astronômicos que conseguem prever com precisão as
distâncias dos astros, fenômenos tais como eclipses ou alinhamentos
planetários, tempestades solares que eclodem em incidências mais ativas das
auroras boreais, e até mesmo com probabilidade de atingir alguns de nossos
equipamentos de comunicação; ou mesmo os cálculos probabilísticos da física
quântica que já manifestam certa assertividade e previsibilidade; também temos
as previsões econômicas que, seguindo determinadas regras, conseguem definir as
melhores probabilidades de investimentos; até mesmo a própria previdência
pública, complementar ou privada tem por finalidade dar conforto a quem se
programa e aprende a poupar desde cedo. Ainda como exemplo, uma informação
antecipada acerca de uma commodity pode definir o ganho ou a perda de bilhões
de dólares no mercado de capitais. É nesse afã – e reitero – que maioria de nós
se lança cegamente em qualquer fonte de conhecimento que se propõe a
supostamente antever, revelar, explicar, sistematizar, pontuar, detalhar
qualquer conhecimento que de alguma forma nos levará a garantir êxito em algo;
principalmente se esse êxito depender de pouco esforço.
Contudo, o problema de ser responder à
questão proposta fica exposto quando, após uma abordagem profunda sobre graça,
lei, fé, pecado, eleição, rejeição, redenção, misericórdia, soberania e tantos
outros assuntos, Paulo afirma o seguinte:
“Ó profundidade das riquezas, tanto da
sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão
inescrutáveis os seus caminhos! Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou
quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja
recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória,
pois, a ele eternamente. Amém.” (Romanos 11:33-36)
É nesse momento que compreendemos que
a mente de Deus é simplesmente incompreensível; compreendemos que, tal como uma
sonda lançada a um buraco negro se perderia com todas as suas imensuráveis
informações, Seus juízos são inalcançáveis; compreendemos que Seus caminhos são
impossíveis de ser investigados. Assim sendo, chegamos à inescapável e talvez
dolorosa resposta àquela pergunta: como
conhecer e compreender a vontade de Deus? A resposta vem de modo lógico: se
não há como sondar a mente do Senhor, como perscrutar os seus caminhos e os
seus juízos, a Sua vontade é de mesmo modo inacessível. Ou seja: não há como
compreendê-la. Pelo menos não da forma mágica que tantos creem ser possível.
Paulo foi resoluto, inflexível, quanto a isso! Ao ler a carta aos Romanos nos
capítulos 9, 10 e 11, o nosso coração se contorce; nosso ser se angustia. Por esse
motivo, provavelmente, esse é um dos textos de maior debate entre aqueles que
estudam ardentemente doutrinas tão complexas que tangem a soteriologia[3] e, infelizmente, ao que
parece, tais estudiosos invalidam essa verdade tentando dizer como são os decretos
de Deus, ou como se estabelece a Sua Soberania. Eu, particularmente, decidi
fugir de discussões intermináveis e tantas vezes vazias de significado prático
me rendendo, em fé, à conclusão do próprio apóstolo: porque DEle, por Ele e
para Ele são todas as coisas. Porém, não é esse o foco da presente reflexão.
Em seguida, ainda em resposta a essa
intrigante pergunta, após aparentemente nos deixar desesperançados quanto à
possibilidade se conhecer a profundidade da mente de Deus e, consequentemente a
profundidade da Sua vontade, Paulo inicia o capítulo 12:
ROGO-VOS, pois, irmãos, pela compaixão
de Deus, que apresenteis os vossos
corpos em sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso
culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede
transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual
seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus. (Romanos 12:1-2)
Nesse momento a linguagem do apóstolo
parece mudar e ele é tomado pela necessidade de registrar uma súplica aos destinatários
de sua carta. Sim, Paulo roga pela compaixão
de Deus e, aqui, eu gostaria de chamar a sua atenção para as implicações
disso: ele sabia o significado profundo da compaixão do Seu Senhor; sabia que a
compaixão de Seu Deus era implacável e assustadora, a qual não teve
misericórdia sequer de Seu Filho[4]. E essa súplica é para que
apresentemos os nossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus,
como manifestação do culto mergulhado em racionalidade. Como certa vez li, é importante
destacar que não é o culto à razão, mas é um culto cheio de racionalidade.
Esse culto requer a entrega completa
de todo o nosso ser. Nesse sentido, não se trata apenas do nosso corpo, que é a
expressão exteriorizada daquilo que reveste o nosso ser. O corpo, em muitos
casos, representa as nossas vestes sacerdotais; é o nosso éfode[5]; é a sobrepeliz que
identifica apenas uma projeção do que somos; uma aparência tão somente.
Contudo, preciso insistir que o contexto de corpo aqui apresentado pelo menor
dos apóstolos refere-se à completude do ser. É a apresentação absoluta de tudo
que somos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.
Desse sacrifício, então, impõe-se a
negação de si mesmo, ao contrário da autocontemplação e autoadimiração tanto
exaltados nos nossos dias. Por isso é que Paulo fala de sacrifício vivo, ou seja: não impera a forma sacrificial e os
holocaustos literais realizados na antiga aliança; antes, é a rendição e
submissão dos próprios desejos e vontades à soberania absoluta do Eterno. É
ainda o sacrifício pulsante, orgânico, ativo, pró-ativo; por isso, vivo. É
perder a vida para ganhá-la e é negar-se a si mesmo a fim seguir àquEle que,
longe das aparências, manifesta essência em tudo que expressou[6]: no olhar, no agir, no
falar, no andar, no descansar, no orar, no sentir, no chorar, no crer, no amar;
enfim, no viver.
Mas esse sacrifício, além de vivo, deve ser santo, separado, apartado do que
é essencialmente inerente a esse mundo caído. Ou seja: fora das ideologias e
filosofias vãs; fora do religiosismo obcecado; fora dos padrões impostos pela
soberba e dos valores, tradições e princípios deturpados de nosso tempo; fora
dos impulsos egoístas, que buscam nos reger; fora do domínio das emoções e das
razões vãs; fora da perversão e perversidade tão intrínsecas à natureza
pecaminosa. É a santificação, a separação da essência do mal que impera sobre
esse mundo caído e sobre a nossa natureza caída.
Somente assim esse sacrifício se torna
qualitativo e alcança o status de agradável
a Deus e, enquanto agradável, é racional, cheio de consciência e de propósito.
Vem inundado de verdade enquanto, aos poucos, aniquila o que é tão somente
aparente, revelando-se em essência: convertendo o dever-ser em, de fato, ser. É
o mergulho que busca conhecer a Deus, e que nos torna, antes, conhecidos dEle[7]! E, enquanto racional, é
culto. Relembremos que o termo culto tem o mesmo radical da palavra cultura; e
a palavra cultura tem em si mesma um vínculo com o cuidado e o cultivo da
terra. Logo, é cultivo, enquanto cuidado; e é cultivo enquanto é preparo de
solo para plantio e crescimento; é culto também enquanto amanha, enquanto
lavra, enquanto arruma tudo para a semeadura. É culto por ser o ambiente onde
tudo é preparado para que algo brote; para que a semente seja lançada, e que se
torne árvore e que a árvore floresça e dê frutos.
Então, e somente então, já não
amoldado a esse mundo, o ser vai se transformando mediante a renovação da mente
e aqui chegamos ao ponto chave: a vontade de Deus, que é inacessível ao
conhecimento decorrente do meu intelecto, torna-se acessível à minha experiência. Posso estar privado de conhecer a
vontade de Deus por meio da lógica humana e de artifícios forçosos que se
autoaclamam sobrenaturais, mas Ele não me priva de prová-la, de experimentá-la.
Ao passo que meu sacrifício é vivo, e é santo, e é agradável a Deus, e que eu
vou sendo transformado pela renovação da minha mente, Sua vontade vai se tornando parte da experiência do meu ser,
que já a percebe e, mais que isso, a prova como boa, agradável e perfeita. O
conhecimento da vontade de Deus decorrente do estágio de contemplação das
coisas seria objetivo; já a experiência
dessa vontade é subjetiva, pessoal, individual.
Assim, entendemos por que Cristo não
orou “Pai, faça-os conhecer a tua vontade”, mas orou: Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu. Nosso
Salvador, desde o início, tratou a vontade do Pai como o âmago da necessidade
humana; como o desejo profundo de qualquer um que verdadeiramente vai se
convertendo na figura humana, conforme Ele nos ensinou a ser, sendo. Sua fome
estava totalmente voltada para a vontade de Deus; os desejos do Mestre não se
voltavam para o Seu ventre, mas, antes, Seu ventre apontava para a vontade
divina; e não cumprir à vontade do Pai representava para Cristo adentrar em
estado de inanição física, almática e espiritual[8]. Mesmo em Seu tabernáculo
humano, no peitoral de Sua alma, junto ao Seu coração, estavam depositados o
Urim e Tumim[9],
revestindo Sua consciência e guiando os seus passos.
A vida de Cristo, conforme lemos nos
Evangelhos é a manifestação, é o testemunho, é a tangibilidade[10] dessa vontade. Os que
contemplaram Jesus foram impactados pela profundeza dessa experiência, de sorte
que nunca mais puderam ser os mesmos. Paulo passa a considerar sua vida menos
valiosa do que a sua vocação, em face do impacto que essa experiência teve
sobre ele[11].
A experiência da Luz que lhe cega e lhe derruba, e da Voz que confronta sua
obstinação, converte aquele homem instintivo e animalesco (no sentido mais vil
da palavra), que resistia aos aguilhões daquela fé que emergiu do incontestável
fato da morte e ressurreição de um simples judeu, em um ser dócil, pronto a dar
a sua vida; de perseguidor, torna-se perseguido; de algoz, passa a ser
prisioneiro; de cuidadoso e zeloso pela lei, torna-se cuidado e zelado pela
Graça; de silenciador de crentes, passa a ser anunciador de boas novas!
Mais à frente, na leitura seguida de
suas cartas, Paulo chega a dizer:
(...) que ele fez abundar para conosco
em toda a sabedoria e prudência; descobrindo-nos
o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo,
de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude
dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra; nele, digo,
em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o
propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade;
com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em
Cristo; em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o
evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o
Espírito Santo da promessa. (Efésios 1:8-13)
A encarnação de Cristo, na dispensação
da plenitude dos tempos, como experiência histórica e ao mesmo tempo Eterna,
com o propósito de tornar a congregar em Si todas as coisas que estão nos céus
e na terra é a experiência máxima que nos faz conhecer a Vontade de Deus. É a
partir daí que o mistério é descoberto: sempre na experiência do Emanuel (Deus
conosco) e, conforme a Sua promessa, com a experiência de Deus em nós, por meio
do Seu Espírito!
Entendemos, assim, que a experiência
impactante da vontade de Deus converte o ser em um dínamo no Espírito. Quem
mergulha no “provar de Deus”, não mais consegue viver fora desse oceano. O
aquário da religião não lhe é mais suficiente; os contêineres das ideologias e
filosofias humanas não mais lhe preenchem a fome existencial; as mais
resistentes amarras deste mundo são como fios de linhos que se arrebentam no
simples mover dos pulsos[12]; as belezas da vida
terrena se tornam pálidas, gris, tal como uma pintura envelhecida e mofada. O
respirar daquele que experimenta a vontade de Deus é sempre um suspiro de vida
e de saudade, e de anseio por provar mais e mais dEle: é a conexão enamorada
entre o espírito humano e o Espírito de Deus. Aqui, fontes terreais são como
desertos em comparação à Fonte de Água Vida que flui de seu interior, e assim
desertos convertem-se em fontes.
É nesse sentido que o salmista
escreve:
Provai, e vede que o SENHOR é bom;
bem-aventurado o homem que nele confia. (Salmos 34:8)
Não sei ao certo se dessa experiência,
desse provar, nascem a fé e a confiança ou se da fé e da confiança nasce essa
experiência. Para Paulo, ao que parece, da experiência vieram a fé e a
confiança, mas para tantos pode ser que o contrário também se faça verdadeiro.
Como já disse, a experiência é sempre subjetiva, pessoal, assim como a fé e a
confiança. Ou talvez, a experiência, a fé e a confiança aconteçam juntas. O
certo é que quanto mais se amplia um, o outro também se amplia: logo, fé,
experiência, confiança crescentes geram calmaria; convertem o navegar
existencial, antes vazio, turvo, perdido, sem significado, em bem-aventurança,
cheio de propósito, achado, conhecido, ressignificado. Aquele que prova também
vê que o Senhor é bom; e quanto mais se prova, mais se vê; e quanto mais se vê,
mas se quer provar.
Nem mesmo as riquezas celestiais são
mais atrativas do que esse provar, do que essa experiência. Cidade de ouro,
muros de jaspe, fundamentos de pedras preciosas, portas de pérola: o que
significa tudo isso perto do eterno mergulho no Eterno? É tão verdade que a
Nova Jerusalém sequer tem Templo, visto que Ele se torna o nosso Templo.
Agora visito mais um ponto de tudo que
aqui escrevo: conquanto não conheçamos a mente do Senhor, a experiência de Sua
Vontade é a forma que Ele se revela a nós. A mente de Deus é no mínimo
assustadora e não pode habitar em qualquer ser criado. É por isso que cremos
que Cristo é Eterno, incriado. Jesus não é o Filho do eterno Deus: antes, é o
Eterno Filho de Deus[13]! Já nós, somos filhos do
Deus Eterno. Porém, não podendo conhecer a Sua mente, na experiência dessa
Vontade, enquanto é feita nos céus e na terra e, principalmente em nós, passamos
a conhecer-Lhe. E, assim, dEle também testificamos. E esse testificar vai se
refletindo como testemunho fiel e verdadeiro; vai impactando nossas vidas e nos
moldando à figura de Seu Filho[14], verdadeiro homem e único
e verdadeiro Deus. Tal testemunho, inevitavelmente, irá fluir para impactar a
tantos outros que estão próximos a nós. Tal testemunho nos compele a fazermos
discípulos de Jesus onde quer que cheguemos. A Vida que transborda daquEle que
experimenta a Sua Vontade gera Vida naqueles que, em vida, habitam a morte. O
que quero dizer, de modo prático, é que essa experiência vivifica, e restaura,
e transforma, e reconcilia. E isso se expande a tudo que se pode imaginar:
vivifica casamentos; restaura relacionamentos e restabelece comunhão;
transforma caráter; reconcilia o próprio cosmo!
A experiência da Vontade de Deus
consolida Seu amor em nossos corações e nos liberta das amarras, do desânimo e
medos que antes nos visitavam, seja o medo do futuro, sejam as amarras do
passado, seja o desânimo no presente. Experimentar Sua boa, agradável e
perfeita vontade, nos emancipa da necessidade dos oráculos da perversidade e do
interesse próprio, dos mestres do engano e dos doutores da concupiscência e do
legalismo. Aprendemos a apreciar a simplicidade que habita em Cristo; a nos
degustar de Sua natureza sem as complicações dos métodos, das tradições, de
mediadores quaisquer que sejam – clericais, sacerdotais, liberais ou legais -;
saímos da enrijecida letra morta; dos rudimentos fracos e pobres da antiga
aliança. Aprendemos a viver segundo o Espírito que vivifica, o qual também
habita as nossas consciências e os nossos corações, revelando-se o Urim e Tumim
de nossas decisões. Passamos a viver independentes do futuro e dependentes
daquEle que já nos guardou em Si Mesmo, o qual é o Alfa e o Ômega, o Princípio
e o Fim! A própria insegurança é afastada de nós, visto que confiamos nEle e,
assim, descansamos nEle; caminhamos nEle e vencemos pela fé nEle.
Na prática, nos tornamos homens e
mulheres mais seguros, decididos, disciplinados. Nos tornamos combativos,
corajosos, ousados (Efésios 6:12) ao mesmo tempo que somos amorosos, alegres,
pacíficos, bondosos, benignos, longânimos, fiéis, mansos, pacientes (Gálatas
5:22).
É a experiência da Sua boa, agradável
e perfeita vontade que nos faz entender que, dEle, somos inseparáveis,
indivorciáveis:
Porque estou certo de que, nem a
morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o
presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra
criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso
Senhor. (Romanos 8:38-39)
Aleluia! É nessa confiança que nos
apegamos; é nessa promessa que nos firmamos; é dessa verdade que nos
alimentamos! Como eu disse no começo dessa simples e humilde reflexão,
revestidos dessa consciência não seremos vítimas de abusos, de mentiras, de
enganos. Não seremos reféns sequer do tempo, nem da morte!
NEle, que se fez Pão e Vinho, para que
dEle comamos e dEle bebamos, espero que essa reflexão de alguma forma te
edifique,
Gama, 29 de maio de 2024.
Jordanny.
[1] Checkpoint: termo conhecido nos vídeo games onde você tem a possibilidade de tentar o desafio a partir de um determinado ponto do jogo quando você perde logo à frente. Exemplo: você está enfrentando um chefão e é derrotado, então, logo você é remetido para o último “checkpoint” salvo.
[2] Save state: é uma opção no jogo de vídeo game onde você pode a qualquer momento salvar e, caso perca um desafio logo à frente, te permite começar imediatamente do ponto onde você salvou e com as mesmas condições.
[3] Soteriologia: parte da teologia sistemática que trata da salvação. As divergências mais clássicas residem entre os arminianos, que creem até certo ponto no livre arbítrio, e os calvinistas que creem na predestinação.
[4] Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? (Romanos 8:32)
[5] Éfode era a túnica, o vestuário exterior utilizado pelo Sumo Sacerdote de Israel.
[6] E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará. (Lucas 9:23-24)
[7] Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus (Gálatas 4:9)
[8] Então os discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe, porventura, alguém algo de comer? Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra. (João 4:33-34)
[9] O Urim e Tumim era um instrumento que possibilitava que os sacerdotes conseguissem interpretar a vontade de Deus a respeito de um determinado assunto.
[10] O QUE era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida (Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e nos foi manifestada) o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo. (1João 1:1-3)
[11] Atos 20:24.
[12] Juízes 15:13-14
[13] NO princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. (João 1:1-3)
[14] E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente. (Efésios 4:11-14)