terça-feira, 11 de junho de 2024

Tua Vontade

 


Tua Vontade

 

          A alma humana está sempre inundada de anseios e o mais difícil para a maioria de nós é lidar com a inescapável condição da imprevisibilidade de grande parte das coisas que estão diante de nós. Ainda que vivamos sob a regência do Criador, sob os cuidados da Providência, nossos sentidos estão inclinados ao temor, à insegurança e tantas vezes à falta de fé. O grande problema é que isso se torna justamente a armadilha mais comum utilizada por aqueles que estão imbuídos de enganar, fraudar, aprisionar e deturpar consciências.

 

          Ora, não é incomum uma reunião religiosa extremamente cheia em virtude de ali estar alguém que se autoafirma profeta e que alega ser detentor das mais profundas revelações divinas. Livros apocalípticos, profecias, quiromantes, astrólogos, oráculos, consultores de búzios, cartógrafos astrais, necromantes, médiuns, sejam clérigos que dizem cristãos ou sacerdotes pagãos, conseguem sempre arrebatar a atenção de multidões. E qualquer que seja a revelação, boa o ruim – de preferência a ruim mesmo -, alcança o olhar dos expectadores, mesmo daqueles que não creem, visto que a curiosidade reside em nós, compondo uma parte da nossa natureza responsável por tamanho desenvolvimento, mas também por incomparável destruição. Até mesmo uma “revelação” do inferno ganha tantas vezes mais atenção do que uma palavra de sabedoria simples e do que a constatação do óbvio.

 

          Quando não são as “revelações”, as instruções, regras e métodos quase que mágicos passam a alcançar essa audiência. Não obstante, vivemos no tempo dos coachs, que se dizem mestres de metodologias revolucionárias; de compreensões neurolinguísticas infalíveis; de lições de valor incalculável. E os expectadores logo compram cursos, seguem ideias, absorvem conceitos prontos a fim de mudar suas vidas, estilo de ser, finanças; esperam ganhar confiança para conquistar alguém ou algo. O objetivo é sempre vencer, obter. Poucas vezes o objetivo é ser.

 

          Há também aqueles que passam a ser guiados por conteúdos de autoafirmação; por mestres que lhes garantam uma melhor autoestima; por frases de efeito ou manuais de autoajuda; por mensagens que lhes exalte o amor próprio; que lhes faça relembrar de suas qualidades mais excelentes; por conceitos que lhes conduzam à autocontemplação e a autoexaltação. Nesse contexto, o juízo que deveríamos lançar sobre nós mesmos, em nossa autorresponsabilidade, sobre as nossas falhas, erros e pecados, deve ser amenizado, praticamente excluído e substituído pelo foco na supervalorização de si mesmo. Esses métodos são tantas vezes voltados à formação de verdadeiros narcisistas, amantes de si mesmos.

 

          Tudo isso acontece quando, levados pela necessidade, pela sensação de frustração, pela dor da perda, pelo fardo da culpa, pelo vazio desesperador, pela desesperança aterradora, pelo medo estagnante, pela desilusão frequente e desoladora, pela carência ardente, e já com a nossa capacidade de julgamento totalmente debilitada, entramos em um estado de miserável vulnerabilidade e partir daí nos convertemos nas vítimas perfeitas para todo tipo de “mestre”, “doutor”, “profeta” da conveniência que alega ter soluções garantidas para o sucesso. Ao mesmo tempo, outro fenômeno já percebido e profetizado por Paulo acontece: passamos a ajuntar para nós mesmos doutores segundo a nossa própria concupiscência, no afã de atendermos nossos caprichos, e nos rendemos à mensagem que nos alegra o ouvido, como comichões que nos fazem cócegas à audição.

 

          Foi pensando em tudo isso que decidi escrever a presente reflexão, que, para muitos, poderá vir como balde de água fria em seus sonhos e ilusões, mas para alguns pode ter um efeito pulsante de verdade e de realidade tantas vezes óbvias, porém distanciadas pelas vulnerabilidades da percepção já tão debilitada pelas “verdades” de nosso tempo. E aqui me proponho a falar, ainda que rapidamente, de um dos mais difíceis temas da fé, conquanto já tão repetidamente erguidos nos púlpitos, conferências, seminários, retiros espirituais, congressos, livros etc.: a Vontade de Deus!

 

          Quero, porém, iniciar respondendo à seguinte pergunta: como conhecer e compreender a vontade de Deus? Para a maioria de nós cristãos, crer em Deus significa crer em um atributo que somente a Ele pode ser conferido: a onipotência. Da onipotência, evidentemente, decorrem a onisciência e a onipresença. Ou seja: se Ele é onipotente, necessariamente é onisciente e onipresente. Mas para fins didáticos podemos facilmente dizer que esses três atributos são exclusivos do Eterno. Assim sendo, não há que se questionar, aos que creem, que Deus, em sua soberania, tem controle sobre tudo e sabe tudo. Presente, passado e futuro não são limitadores de Seu absoluto conhecimento e nem mesmo do Seu agir soberano. Logo, quais as implicações de se responder a questão acima? Inevitavelmente, conhecer e compreender a vontade de Deus representa ter acesso a um poder inimaginável; é ter acesso à possibilidade de viver distante da sina do erro; é tornar-se assertivo e caminhar em direção oposta ao fracasso. Isso provavelmente já atraiu a sua atenção, não é mesmo? Aliás, quem de nós tem prazer no fracasso?

 

          Imaginemos, por um instante, se tivéssemos acesso tão somente aos eventos que representam as decisões mais importantes de nossas vidas: conectar-se a tais informações antecipadamente é o mesmo que garantir um “checkpoint[1]” ou mesmo a uma opção de “save state[2]”, entretanto, na vida real. O pensamento aparentemente lógico nos leva a crer que uma compreensão como essa nos tornaria quase infalíveis, ou pelo menos, mais exitosos que praticamente a totalidade das pessoas que habitam a terra. Quantas oportunidades não mais seriam perdidas se tivéssemos como calcular com uma antecipação sobrenatural cada efeito, cada possibilidade decorrente de tais oportunidades?

 

          A verdade é que o homem tem uma obsessão pela previsão. Desde cálculos astronômicos que conseguem prever com precisão as distâncias dos astros, fenômenos tais como eclipses ou alinhamentos planetários, tempestades solares que eclodem em incidências mais ativas das auroras boreais, e até mesmo com probabilidade de atingir alguns de nossos equipamentos de comunicação; ou mesmo os cálculos probabilísticos da física quântica que já manifestam certa assertividade e previsibilidade; também temos as previsões econômicas que, seguindo determinadas regras, conseguem definir as melhores probabilidades de investimentos; até mesmo a própria previdência pública, complementar ou privada tem por finalidade dar conforto a quem se programa e aprende a poupar desde cedo. Ainda como exemplo, uma informação antecipada acerca de uma commodity pode definir o ganho ou a perda de bilhões de dólares no mercado de capitais. É nesse afã – e reitero – que maioria de nós se lança cegamente em qualquer fonte de conhecimento que se propõe a supostamente antever, revelar, explicar, sistematizar, pontuar, detalhar qualquer conhecimento que de alguma forma nos levará a garantir êxito em algo; principalmente se esse êxito depender de pouco esforço.

 

          Contudo, o problema de ser responder à questão proposta fica exposto quando, após uma abordagem profunda sobre graça, lei, fé, pecado, eleição, rejeição, redenção, misericórdia, soberania e tantos outros assuntos, Paulo afirma o seguinte:

 

“Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque, quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.” (Romanos 11:33-36)

 

          É nesse momento que compreendemos que a mente de Deus é simplesmente incompreensível; compreendemos que, tal como uma sonda lançada a um buraco negro se perderia com todas as suas imensuráveis informações, Seus juízos são inalcançáveis; compreendemos que Seus caminhos são impossíveis de ser investigados. Assim sendo, chegamos à inescapável e talvez dolorosa resposta àquela pergunta: como conhecer e compreender a vontade de Deus? A resposta vem de modo lógico: se não há como sondar a mente do Senhor, como perscrutar os seus caminhos e os seus juízos, a Sua vontade é de mesmo modo inacessível. Ou seja: não há como compreendê-la. Pelo menos não da forma mágica que tantos creem ser possível. Paulo foi resoluto, inflexível, quanto a isso! Ao ler a carta aos Romanos nos capítulos 9, 10 e 11, o nosso coração se contorce; nosso ser se angustia. Por esse motivo, provavelmente, esse é um dos textos de maior debate entre aqueles que estudam ardentemente doutrinas tão complexas que tangem a soteriologia[3] e, infelizmente, ao que parece, tais estudiosos invalidam essa verdade tentando dizer como são os decretos de Deus, ou como se estabelece a Sua Soberania. Eu, particularmente, decidi fugir de discussões intermináveis e tantas vezes vazias de significado prático me rendendo, em fé, à conclusão do próprio apóstolo: porque DEle, por Ele e para Ele são todas as coisas. Porém, não é esse o foco da presente reflexão.

 

          Em seguida, ainda em resposta a essa intrigante pergunta, após aparentemente nos deixar desesperançados quanto à possibilidade se conhecer a profundidade da mente de Deus e, consequentemente a profundidade da Sua vontade, Paulo inicia o capítulo 12:

 

ROGO-VOS, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus. (Romanos 12:1-2)

 

          Nesse momento a linguagem do apóstolo parece mudar e ele é tomado pela necessidade de registrar uma súplica aos destinatários de sua carta. Sim, Paulo roga pela compaixão de Deus e, aqui, eu gostaria de chamar a sua atenção para as implicações disso: ele sabia o significado profundo da compaixão do Seu Senhor; sabia que a compaixão de Seu Deus era implacável e assustadora, a qual não teve misericórdia sequer de Seu Filho[4]. E essa súplica é para que apresentemos os nossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, como manifestação do culto mergulhado em racionalidade. Como certa vez li, é importante destacar que não é o culto à razão, mas é um culto cheio de racionalidade.

 

          Esse culto requer a entrega completa de todo o nosso ser. Nesse sentido, não se trata apenas do nosso corpo, que é a expressão exteriorizada daquilo que reveste o nosso ser. O corpo, em muitos casos, representa as nossas vestes sacerdotais; é o nosso éfode[5]; é a sobrepeliz que identifica apenas uma projeção do que somos; uma aparência tão somente. Contudo, preciso insistir que o contexto de corpo aqui apresentado pelo menor dos apóstolos refere-se à completude do ser. É a apresentação absoluta de tudo que somos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.        

 

          Desse sacrifício, então, impõe-se a negação de si mesmo, ao contrário da autocontemplação e autoadimiração tanto exaltados nos nossos dias. Por isso é que Paulo fala de sacrifício vivo, ou seja: não impera a forma sacrificial e os holocaustos literais realizados na antiga aliança; antes, é a rendição e submissão dos próprios desejos e vontades à soberania absoluta do Eterno. É ainda o sacrifício pulsante, orgânico, ativo, pró-ativo; por isso, vivo. É perder a vida para ganhá-la e é negar-se a si mesmo a fim seguir àquEle que, longe das aparências, manifesta essência em tudo que expressou[6]: no olhar, no agir, no falar, no andar, no descansar, no orar, no sentir, no chorar, no crer, no amar; enfim, no viver.

 

          Mas esse sacrifício, além de vivo, deve ser santo, separado, apartado do que é essencialmente inerente a esse mundo caído. Ou seja: fora das ideologias e filosofias vãs; fora do religiosismo obcecado; fora dos padrões impostos pela soberba e dos valores, tradições e princípios deturpados de nosso tempo; fora dos impulsos egoístas, que buscam nos reger; fora do domínio das emoções e das razões vãs; fora da perversão e perversidade tão intrínsecas à natureza pecaminosa. É a santificação, a separação da essência do mal que impera sobre esse mundo caído e sobre a nossa natureza caída.

 

          Somente assim esse sacrifício se torna qualitativo e alcança o status de agradável a Deus e, enquanto agradável, é racional, cheio de consciência e de propósito. Vem inundado de verdade enquanto, aos poucos, aniquila o que é tão somente aparente, revelando-se em essência: convertendo o dever-ser em, de fato, ser. É o mergulho que busca conhecer a Deus, e que nos torna, antes, conhecidos dEle[7]! E, enquanto racional, é culto. Relembremos que o termo culto tem o mesmo radical da palavra cultura; e a palavra cultura tem em si mesma um vínculo com o cuidado e o cultivo da terra. Logo, é cultivo, enquanto cuidado; e é cultivo enquanto é preparo de solo para plantio e crescimento; é culto também enquanto amanha, enquanto lavra, enquanto arruma tudo para a semeadura. É culto por ser o ambiente onde tudo é preparado para que algo brote; para que a semente seja lançada, e que se torne árvore e que a árvore floresça e dê frutos.

 

          Então, e somente então, já não amoldado a esse mundo, o ser vai se transformando mediante a renovação da mente e aqui chegamos ao ponto chave: a vontade de Deus, que é inacessível ao conhecimento decorrente do meu intelecto, torna-se acessível à minha experiência. Posso estar privado de conhecer a vontade de Deus por meio da lógica humana e de artifícios forçosos que se autoaclamam sobrenaturais, mas Ele não me priva de prová-la, de experimentá-la. Ao passo que meu sacrifício é vivo, e é santo, e é agradável a Deus, e que eu vou sendo transformado pela renovação da minha mente, Sua vontade vai se tornando parte da experiência do meu ser, que já a percebe e, mais que isso, a prova como boa, agradável e perfeita. O conhecimento da vontade de Deus decorrente do estágio de contemplação das coisas seria objetivo; já a experiência dessa vontade é subjetiva, pessoal, individual.

         

          Assim, entendemos por que Cristo não orou “Pai, faça-os conhecer a tua vontade”, mas orou: Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu. Nosso Salvador, desde o início, tratou a vontade do Pai como o âmago da necessidade humana; como o desejo profundo de qualquer um que verdadeiramente vai se convertendo na figura humana, conforme Ele nos ensinou a ser, sendo. Sua fome estava totalmente voltada para a vontade de Deus; os desejos do Mestre não se voltavam para o Seu ventre, mas, antes, Seu ventre apontava para a vontade divina; e não cumprir à vontade do Pai representava para Cristo adentrar em estado de inanição física, almática e espiritual[8]. Mesmo em Seu tabernáculo humano, no peitoral de Sua alma, junto ao Seu coração, estavam depositados o Urim e Tumim[9], revestindo Sua consciência e guiando os seus passos.

 

          A vida de Cristo, conforme lemos nos Evangelhos é a manifestação, é o testemunho, é a tangibilidade[10] dessa vontade. Os que contemplaram Jesus foram impactados pela profundeza dessa experiência, de sorte que nunca mais puderam ser os mesmos. Paulo passa a considerar sua vida menos valiosa do que a sua vocação, em face do impacto que essa experiência teve sobre ele[11]. A experiência da Luz que lhe cega e lhe derruba, e da Voz que confronta sua obstinação, converte aquele homem instintivo e animalesco (no sentido mais vil da palavra), que resistia aos aguilhões daquela fé que emergiu do incontestável fato da morte e ressurreição de um simples judeu, em um ser dócil, pronto a dar a sua vida; de perseguidor, torna-se perseguido; de algoz, passa a ser prisioneiro; de cuidadoso e zeloso pela lei, torna-se cuidado e zelado pela Graça; de silenciador de crentes, passa a ser anunciador de boas novas!

 

          Mais à frente, na leitura seguida de suas cartas, Paulo chega a dizer:

 

(...) que ele fez abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência; descobrindo-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra; nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade; com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que primeiro esperamos em Cristo; em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. (Efésios 1:8-13)

 

          A encarnação de Cristo, na dispensação da plenitude dos tempos, como experiência histórica e ao mesmo tempo Eterna, com o propósito de tornar a congregar em Si todas as coisas que estão nos céus e na terra é a experiência máxima que nos faz conhecer a Vontade de Deus. É a partir daí que o mistério é descoberto: sempre na experiência do Emanuel (Deus conosco) e, conforme a Sua promessa, com a experiência de Deus em nós, por meio do Seu Espírito!

 

          Entendemos, assim, que a experiência impactante da vontade de Deus converte o ser em um dínamo no Espírito. Quem mergulha no “provar de Deus”, não mais consegue viver fora desse oceano. O aquário da religião não lhe é mais suficiente; os contêineres das ideologias e filosofias humanas não mais lhe preenchem a fome existencial; as mais resistentes amarras deste mundo são como fios de linhos que se arrebentam no simples mover dos pulsos[12]; as belezas da vida terrena se tornam pálidas, gris, tal como uma pintura envelhecida e mofada. O respirar daquele que experimenta a vontade de Deus é sempre um suspiro de vida e de saudade, e de anseio por provar mais e mais dEle: é a conexão enamorada entre o espírito humano e o Espírito de Deus. Aqui, fontes terreais são como desertos em comparação à Fonte de Água Vida que flui de seu interior, e assim desertos convertem-se em fontes.

 

          É nesse sentido que o salmista escreve:

 

Provai, e vede que o SENHOR é bom; bem-aventurado o homem que nele confia. (Salmos 34:8)

 

          Não sei ao certo se dessa experiência, desse provar, nascem a fé e a confiança ou se da fé e da confiança nasce essa experiência. Para Paulo, ao que parece, da experiência vieram a fé e a confiança, mas para tantos pode ser que o contrário também se faça verdadeiro. Como já disse, a experiência é sempre subjetiva, pessoal, assim como a fé e a confiança. Ou talvez, a experiência, a fé e a confiança aconteçam juntas. O certo é que quanto mais se amplia um, o outro também se amplia: logo, fé, experiência, confiança crescentes geram calmaria; convertem o navegar existencial, antes vazio, turvo, perdido, sem significado, em bem-aventurança, cheio de propósito, achado, conhecido, ressignificado. Aquele que prova também vê que o Senhor é bom; e quanto mais se prova, mais se vê; e quanto mais se vê, mas se quer provar.

 

          Nem mesmo as riquezas celestiais são mais atrativas do que esse provar, do que essa experiência. Cidade de ouro, muros de jaspe, fundamentos de pedras preciosas, portas de pérola: o que significa tudo isso perto do eterno mergulho no Eterno? É tão verdade que a Nova Jerusalém sequer tem Templo, visto que Ele se torna o nosso Templo.

 

          Agora visito mais um ponto de tudo que aqui escrevo: conquanto não conheçamos a mente do Senhor, a experiência de Sua Vontade é a forma que Ele se revela a nós. A mente de Deus é no mínimo assustadora e não pode habitar em qualquer ser criado. É por isso que cremos que Cristo é Eterno, incriado. Jesus não é o Filho do eterno Deus: antes, é o Eterno Filho de Deus[13]! Já nós, somos filhos do Deus Eterno. Porém, não podendo conhecer a Sua mente, na experiência dessa Vontade, enquanto é feita nos céus e na terra e, principalmente em nós, passamos a conhecer-Lhe. E, assim, dEle também testificamos. E esse testificar vai se refletindo como testemunho fiel e verdadeiro; vai impactando nossas vidas e nos moldando à figura de Seu Filho[14], verdadeiro homem e único e verdadeiro Deus. Tal testemunho, inevitavelmente, irá fluir para impactar a tantos outros que estão próximos a nós. Tal testemunho nos compele a fazermos discípulos de Jesus onde quer que cheguemos. A Vida que transborda daquEle que experimenta a Sua Vontade gera Vida naqueles que, em vida, habitam a morte. O que quero dizer, de modo prático, é que essa experiência vivifica, e restaura, e transforma, e reconcilia. E isso se expande a tudo que se pode imaginar: vivifica casamentos; restaura relacionamentos e restabelece comunhão; transforma caráter; reconcilia o próprio cosmo!

 

          A experiência da Vontade de Deus consolida Seu amor em nossos corações e nos liberta das amarras, do desânimo e medos que antes nos visitavam, seja o medo do futuro, sejam as amarras do passado, seja o desânimo no presente. Experimentar Sua boa, agradável e perfeita vontade, nos emancipa da necessidade dos oráculos da perversidade e do interesse próprio, dos mestres do engano e dos doutores da concupiscência e do legalismo. Aprendemos a apreciar a simplicidade que habita em Cristo; a nos degustar de Sua natureza sem as complicações dos métodos, das tradições, de mediadores quaisquer que sejam – clericais, sacerdotais, liberais ou legais -; saímos da enrijecida letra morta; dos rudimentos fracos e pobres da antiga aliança. Aprendemos a viver segundo o Espírito que vivifica, o qual também habita as nossas consciências e os nossos corações, revelando-se o Urim e Tumim de nossas decisões. Passamos a viver independentes do futuro e dependentes daquEle que já nos guardou em Si Mesmo, o qual é o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim! A própria insegurança é afastada de nós, visto que confiamos nEle e, assim, descansamos nEle; caminhamos nEle e vencemos pela fé nEle.

 

          Na prática, nos tornamos homens e mulheres mais seguros, decididos, disciplinados. Nos tornamos combativos, corajosos, ousados (Efésios 6:12) ao mesmo tempo que somos amorosos, alegres, pacíficos, bondosos, benignos, longânimos, fiéis, mansos, pacientes (Gálatas 5:22).

 

          É a experiência da Sua boa, agradável e perfeita vontade que nos faz entender que, dEle, somos inseparáveis, indivorciáveis:

 

Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. (Romanos 8:38-39)

 

          Aleluia! É nessa confiança que nos apegamos; é nessa promessa que nos firmamos; é dessa verdade que nos alimentamos! Como eu disse no começo dessa simples e humilde reflexão, revestidos dessa consciência não seremos vítimas de abusos, de mentiras, de enganos. Não seremos reféns sequer do tempo, nem da morte!

 

          NEle, que se fez Pão e Vinho, para que dEle comamos e dEle bebamos, espero que essa reflexão de alguma forma te edifique,

 

          Gama, 29 de maio de 2024.

 

 

          Jordanny.

 

 

 

  



[1] Checkpoint: termo conhecido nos vídeo games onde você tem a possibilidade de tentar o desafio a partir de um determinado ponto do jogo quando você perde logo à frente. Exemplo: você está enfrentando um chefão e é derrotado, então, logo você é remetido para o último “checkpoint” salvo.

[2] Save state: é uma opção no jogo de vídeo game onde você pode a qualquer momento salvar e, caso perca um desafio logo à frente, te permite começar imediatamente do ponto onde você salvou e com as mesmas condições.

[3] Soteriologia: parte da teologia sistemática que trata da salvação. As divergências mais clássicas residem entre os arminianos, que creem até certo ponto no livre arbítrio, e os calvinistas que creem na predestinação.

[4] Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? (Romanos 8:32)

[5] Éfode era a túnica, o vestuário exterior utilizado pelo Sumo Sacerdote de Israel.

[6] E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará. (Lucas 9:23-24)

[7] Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus (Gálatas 4:9)

[8] Então os discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe, porventura, alguém algo de comer? Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra. (João 4:33-34)

[9]Urim e Tumim era um instrumento que possibilitava que os sacerdotes conseguissem interpretar a vontade de Deus a respeito de um determinado assunto.

[10] O QUE era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida (Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai, e nos foi manifestada) o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo. (1João 1:1-3)

[11] Atos 20:24.

[12] Juízes 15:13-14

[13] NO princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. (João 1:1-3)

[14] E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente. (Efésios 4:11-14)

 


segunda-feira, 6 de maio de 2024

Mulheres de honra: uma palavra para homens!

 


“A mãe de Sísera olhava pela janela, e exclamava pela grade: Por que tarda em vir o seu carro? Por que se demoram os ruídos dos seus carros? As mais sábias das suas damas responderam; e até ela respondia a si mesma: - Porventura não achariam e repartiriam despojos? Uma ou duas moças a cada homem? Para Sísera despojos de estofos coloridos, despojos de estofos coloridos bordados; de estofos coloridos bordados de ambos os lados como despojo para os pescoços.” (Juízes 5:28-30)

 

          Morre Eúde, um grande homem de Deus, juiz valoroso erguido em um tempo em que o povo de Israel clamava por ter vivido em grande sofrimento, por dezoito anos oprimidos por Eglom, rei dos moabitas. Eúde fora o libertador canhoto que, escondendo sua espada em sua coxa direita, sob a desculpa de presentear Eglom, propõe-lhe uma audiência secreta. Estando a sós com o rei trouxe-lhe uma palavra do Senhor na forma da espada que, desembainhando-a com sua mão esquerda, o atravessaria tão profundamente que até o cabo daquela arma lhe penetraria as entranhas gordas, derramando sangue, banha e excremento.

 

          Após a morte de tão estimado e corajoso juiz, o povo de Israel torna a fazer o que é mau diante do Senhor, pelo que, em sua soberania, os vende a Jabim, rei de Canaã, que tinha Sísera por seu capitão. Sísera, por sua vez, estava tranquilo, confiado na mais alta tecnologia de sua época, equipado com as mais poderosas armas de guerra, a saber: novecentos carros de ferro. Esse poderio bélico lhe permitiu a opressão do povo de Deus por vinte anos de modo violento.

 

          É nesse contexto que, de modo inusitado e até irônico, conforme tantas vezes se reflete a Providência divina, surge Débora, uma juíza. Aqui, eu gostaria de relatar o contraste: toda a força bélica e a tecnologia de ponta de um exército que fazia os homens de Israel tremer e se desesperar agora colocadas diante de uma mulher, profetiza, que em toda a sua vulnerabilidade feminina, revelou uma força interior ímpar, uma fé inabalável que superava a força de todos os homens de Israel de seu tempo. Parece que mais uma vez as palavras de Paulo fazem todo o sentido “a fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (I Coríntios 1:25). No meio de uma geração de homens frouxos e incapazes de confiar na ordem do Senhor, uma mulher é erguida para levá-los ao inescapável combate e, consequentemente, à inevitável vitória.

 

          Antes, porém, é preciso mais uma vez contextualizar: já havia uma ordem direta dada pelo Senhor por meio de seus oráculos. Uma ordem, uma promessa e uma profecia: três em um. Em suma, Deus havia mandado Baraque reunir dez mil homens, dos filhos de Naftali, para pelejarem contra Sísera, com todos os seus poderosos carros e exército, visto que Ele lhes entregaria em sua mão. Baraque, frouxo e incrédulo ou incrédulo e frouxo – realmente não sei o que vem primeiro: a incredulidade e após a frouxidão ou a frouxidão seguida de incredulidade -, diz que só iria à guerra se Débora o acompanhasse. O certo é que tanto a incredulidade quanto a covardia parecem ser sócias do empreendimento que culmina na falência da masculinidade. As duas características em um homem são a receita certa para o fracasso e para emasculação.

 

          A posição firme, a certeza, a fé e a coragem, porém, estão presentes em Débora: - É claro que irei contigo, porém não será tua a honra da jornada que empreenderes, pois à mão de uma mulher o Senhor venderá a Sísera (Juízes 4:9). Essa atitude de Débora me remete inevitavelmente aos nossos dias, onde homens valorosos estão cada vez mais escassos. A título de exemplo, relembro-me das cenas do trágico acidente com o jornalista Ricardo Boechat onde, enquanto vários homens filmavam a quadro terrível do helicóptero em chamas e um caminhão incendiando, foi uma mulher que tentava com todas as suas forças salvar o motorista do caminhão. Aqueles celulares, nas mãos daqueles covardes, apáticos à dor, fizeram-se testemunhas da qualidade de homens que nossa geração formou.

 

          Não poucas vezes, ao ver alguma cena de assalto, os homens correm desesperadamente deixando suas esposas, namoradas, noivas, irmãs nas mãos dos malfeitores. Em pegadinhas criadas para nos divertir um pouco, inúmeras vezes homens usam mulheres como escudo humano. Os próprios “corajosos” bandidos que andam armados e com pompas de “poderosos chefões”, choram como crianças pedindo pela mamãe quando, pegos pela polícia, são alvejados. Em tempos de homens frouxos, Deus entrega a honra a mulheres. Em dias de emasculados, mulheres são erguidas para o exercício ministerial que caberia, primordialmente, a nós homens. Diante da nossa omissão, covardia e incredulidade, muitas mulheres serão postas em lugar de honra e, por incrível que venha a parecer, para a nossa desonra.

 

          “Baraques” desonram o nome de Deus com sua covardia; blasfemam Seu precioso nome com sua incredulidade; infamam o Seu nome com sua inatividade. Servir ao Senhor requer coragem, fé, confiança e ação. Um verdadeiro homem de Deus não se lançará à passividade. Há um pulsar que lhe move; as virtudes lhe compelem ao bem; o medo não lhe é um obstáculo; a força do inimigo não lhe ameaça. Ele conhece o Deus que confia e desse Deus é conhecido.

 

          Contudo, tornemos ao cenário: Débora sobe ao monte Tabor com Baraque e outros dez mil homens; enquanto isso, junto ao ribeiro de Quisom, Sísera se arma com seus novecentos carros fortes, os aparatos tecnológicos mais avançados de seu tempo, e com todo o povo que estava com ele. Então a ordem é dada por aquela mulher valorosa: - Levanta-te, Baraque, pois o Senhor tem dado a Sísera na tua mão. Baraque desce e, com seus dez mil homens, derrota todo o exército de Sísera junto com todos os seus carros, não deixando um sequer vivo. E aqui começa a outra parte da história: Sísera abandona seu exército à morte, provavelmente estupefato com o fato de o exército de Israel não ter temido a peleja, apesar de toda a força que tinha em seus carros e exército. Foge a pé e desesperado até a tenda de Jael, esposa de Héber. Ali ele acredita estar seguro, visto que havia um acordo de paz entre o seu rei e a casa de Héber.

 

          Vejamos agora o seguinte: Sísera deposita toda a sua confiança em seus carros de ferro e em seu exército. Para que você se situe: os exércitos de Israel ainda viviam a era do bronze, de sorte que suas espadas e armas eram muito mais frágeis e se partiam diante da força e violência das armas de ferro. Essa era a superioridade tecnológica do exército capitaneado por Sísera. Por esse motivo é que ele acreditava que o exército liderado por Baraque sequer desceria à guerra. A presença de sua força bélica e de seu exército seria suficiente para derrubar o moral do exército de Israel, conforme acreditava e conforme já vinha sendo aplicado e confirmado por anos. Vemos claramente, que um homem covarde deposita toda a sua esperança na força de outros homens e em aparatos que julga serem superiores e, ao mesmo tempo, deposita sua confiança no que é previsível, não fazendo planos e nem se preparando para a imprevisibilidade. O que era, naquele caso, previsível? O fato da força de seu exército subjugar todos os outros pelo medo e pelo receio. Já um homem de Deus confia a sua força no Senhor, contra toda a lógica tecnológica que se ergue diante dele. O homem de Deus nem sequer à morte teme, visto que sua vida jaz com Seu Senhor no madeiro (Gálatas 2:20) e sua morte vem resguardada pela certeza da Ressurreição.

           

          Dando continuidade, o relato bíblico nos informa que Sísera chega à tenda de Héber, onde encontra sua esposa Jael, totalmente desesperado, como um garotinho tremendo de pavor. E ali nós temos a figura de uma mulher que guarda inteligência emocional para lidar com uma situação de completo risco contra si mesma e contra a sua casa. Mas não só inteligência emocional para aquele momento: implicitamente, Jael demonstra mais fé no Deus de Israel ou pelo menos no exército de Israel, do que os homens de Israel. Note que a escritura nos afirma que Jael se antecipa e sai ao encontro de Sísera. Essa antecipação estratégica de Jael geraria confiança por parte de Sísera, com relação à possibilidade de achar abrigo seguro enquanto lhe daria tempo para arquitetar a sua morte. Notem bem que Jael revelava muito mais coragem que a maioria dos homens e ao mesmo tempo muito mais controle. Provavelmente, sob o iminente risco de se ter um fugitivo em sua casa, provavelmente um homem o impediria de entrar. Jael não: vai ao seu encontro, oferece-lhe abrigo e se prepara para aniquilá-lo.

 

          Voltamos agora para Sísera: ele foge igual a um garotinho medroso, abandonando a batalha e deixando os seus homens à sina da morte. Em sua fuga, ao invés de erguer-se em coragem para buscar a sua proteção, prefere ser abrigado e guardado por uma mulher. Não poderia ser mais irônico o fato de o frouxo ser alimentado com leite, quando pediu água, acompanhado de um cobertor para lhe esconder. Esses detalhes quase que esculpem ao caráter de Sísera o que foi se firmando como óbvio: não se tratava de um homem, mas de um “bebezão”; e como tal, nada melhor que leitinho, para que o filhinho da mamãe possa dormir e uma cobertinha para ficar bem quentinho. Jael, então, após vê-lo adormecer, pega uma estaca e um martelo e lhe atravessa o crânio de orelha a orelha até fincar ao solo. Ao chegar ao local, atrasado como sempre, tal qual se espera de um homem que não é proativo e seguro, Baraque é recebido por Jael, que é honrada em seu lugar pela morte do capitão do exército de Jabim, rei de Canaã.

 

          Assim, no capítulo cinco de Juízes vamos ouvir ao cântico e a poesia composta por Débora, que transcreve em seus versos o texto que abre a essa presente reflexão:

 

“A mãe de Sísera olhava pela janela, e exclamava pela grade: Por que tarda em vir o seu carro? Por que se demoram os ruídos dos seus carros? As mais sábias das suas damas responderam; e até ela respondia a si mesma: - Porventura não achariam e repartiriam despojos? Uma ou duas moças a cada homem? Para Sísera despojos de estofos coloridos, despojos de estofos coloridos bordados; de estofos coloridos bordados de ambos os lados como despojo para os pescoços.” (Juízes 5:28-30)

 

          Nesse breve relato temos uma mãe que cria na vitória de seu filho, tão cheio de pompas e confiante, já imaginando os espólios que traria da guerra, as donzelas que subjugaria e o barulho da glória invicta que seus carros tocariam. Para aquela mãe, a certeza de êxito naquela batalha a convertia quase que em um mero retorno de uma visita ao Shopping Center, com as sacolas cheias de tesouros e roupas; tecidos bordados e tudo que enaltece aos olhos. Não sabia que o ornamento que enfeitaria a cabeça de seu filho era uma estaca que o pregaria ao chão e, mais que isso, pelas mãos de uma mulher. É bom lembrar que ser morto por uma mulher era tão humilhante, que muitos anos após a essa batalha, o perverso autodeclarado rei Abimeleque preferiria ser morto por seu escudeiro de que a humilhação da morte decorrente de uma mulher que lhe atira uma mó (pedra grande de formato circular), quebrando-lhe o crânio (Juízes 8:54).

 

          Em suma, dentre tantas outras, algumas lições hoje nós retiramos dessa história:

 

1)  -  Quando não somos homens corajosos, valorosos e tementes a Deus, a nossa honra é entregue a outrem;

 

2)   - Quando confiamos em nossa própria força, habilidade ou na força de instrumentos, cargos, pessoas ou qualquer outra coisa que nos cercam, podemos estar fadados a uma derrota humilhante;


3)  -  A confiança no que foi citado anteriormente normalmente esconde uma insegurança e covardia tão profundas que, no tempo da adversidade, demonstrará o quanto você é fraco de consciência, imaturo e frouxo;

 

4)     -       Da fraqueza Deus suscita a força e por isso usa duas mulheres, honrando-as para a glória do Seu nome, que revelavam em seu caráter coragem, confiança no Senhor, inteligência emocional, sabedoria, proatividade e vontade para fazer o que precisava ser feito;

 

5) -   Por último, aprendemos a nunca duvidar do poder de Deus e de Sua providência e, tampouco, de Sua Palavra, que permanece para todo o sempre.

 

          Que essa história nos seja como aviso, principalmente para nós homens, que vivemos em uma geração covarde, apática, passiva e omissa. Que aprendamos com essas grandes mulheres as virtudes necessárias para sermos vitoriosos no Senhor, honrando o Seu santo nome com o nosso serviço, com nossa confiança e, sobretudo, com o nosso amor!

 

          NEle, que é o Senhor dos Exércitos celestiais, e que chama para si varões valorosos para os capacitar para a Sua obra,

 

          Jordanny.


segunda-feira, 22 de abril de 2024

Andando, detido e assentado...


ANDANDO, DETIDO E ASSENTADO

 

BEM-AVENTURADO o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão, e tudo quanto fizer prosperará.

Não são assim os ímpios; mas são como a moinha que o vento espalha. Por isso os ímpios não subsistirão no juízo, nem os pecadores na congregação dos justos.

Porque o SENHOR conhece o caminho dos justos; porém o caminho dos ímpios perecerá. (Salmos 1:1-6)

 

          As bem-aventuranças sempre fizeram parte do repertório divino. Mas, assim como há um contraste entre céu e inferno, dia e noite, verão e inverno, gelo e fogo, as bem-aventuranças acompanham seu típico antagônico.

 

Nesse texto, que inaugura as poesias e cânticos registrados nos Salmos, vemos que há três verbos que em sua forma negativa – ou seja: na forma de um não fazer – acompanham as bem-aventuranças: andar, deter e assentar. Os três são seguidos de exortações para a vida; de conselhos para se atravessar a existência em prosperidade. Porém, aqui não se trata da prosperidade exaltada pelo American Dream: antes, trata-se da prosperidade que habita a mente, o coração, a consciência; trata-se da prosperidade que semeia paz e colhe a tranquilidade; que semeia a humildade e a mansidão e colhe o refrigério para a alma; que semeia a verdade e colhe a integridade; que semeia a fidelidade e colhe a lealdade; que semeia a disciplina e a abnegação e que colhe a consequente vida; que semeia a retidão e colhe a justiça.

 

O Conselho dos Ímpios

 

“BEM-AVENTURADO o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios” (Salmos 1:1a)

 

          Para o salmista, o conselho dos ímpios é uma forma de caminhar; é o passo, o compasso, o tempo, o jeito, o modo. O conselho dos ímpios implica também na direção: é a bússola viciada, cuja agulha já não aponta para o norte. Relembro-me do famoso filme Piratas do Caribe, onde o personagem Jack Sparrow passa grande tempo com uma bússola que não indica o norte, mas apenas o seu maior desejo, que pode ser um tesouro de valor incalculável, a imortalidade, a fama flamejante que queimará nos sete mares, ou até mesmo uma garrafa de rum.

 

Muitos podem romantizar a liberdade que uma bússola que aponta para os nossos mais secretos desejos produz, entretanto, esquecem-se de que, perdidos no despropósito de ser, tendo a identidade dissolvida pelos próprios desejos vãos, passamos, em verdade, a navegar à deriva em um mar revolto, com ondas bravias, numa agitação que ao acender a adrenalina também conduz à inevitável morte. A aventura de se navegar sem rumo certamente conduzirá ao pavor, ao desespero e à perdição.

 

          Romantizar o conselho dos ímpios, que arrogam para si serem os detentores da imaginação mais pulsante e criativa, reflete a mais desastrosa das doutrinas humanas. Como já disse, é a dissolução do próprio ser em virtude da perda da orientação natural que habita no propósito de existir. Sem propósito, sem direção, em pouco tempo a alma se vê desolada, e se consome inteiramente ante a fome existencial. Aos poucos os efeitos da inanição passam a dissolver as emoções, o intelecto, a própria razão. O conselho dos ímpios tem esse viés romântico, obcecado pelas sensações, porém é vazio e escuro; representa navegar sem nem mesmo ter as estrelas como guias; é tatear no completo breu, sonhando com um mísero rastro luz para reencontrar o caminho.

 

          O conselho dos ímpios se reveste da capa da verdade e da piedade, mas nega a sua eficácia. Por baixo de sua sobrepeliz pomposa, ornada com bordados reluzentes como o ouro, há uma pele com úlceras profundas encobertas pelo orgulho, arrogância e prepotência; há tumores purulentos que exalam o cheiro fétido e nauseante da deterioração do ser.

 

O conselho dos ímpios evoca para si as mais atraentes doutrinas; apostam nas próprias obras para a redenção, pois fora da caridade não salvação; mas no fim revelam-se um emaranhado de fios embolados, embaraçados; são teias terríveis; são armadilhas nutridas pela perversidade do próprio diabo com a finalidade de nos sequestrar, aprisionar e nos devorar.

 

O Caminho dos Pecadores

“...nem se detém no caminho dos pecadores” (Salmos 1:1b)

 

          Em seguida temos o segundo verbo: deter-se. O salmista não diz que os nossos pés, em alguns momentos escorregadios pela natural e odiosa inclinação da nossa carne, estão isentos de adentrar no caminho dos pecadores. O fato é que todos nós pecamos sempre e de alguma forma. Conforme Paulo nos advertiu, o pecado habita em nós (Romanos 7:17). Agora, o grande problema é deter-se nesse caminho; é fazer desse caminho a sua estadia. Deter-se no caminho dos pecadores é decidir não se arrepender; é conforma-se com o próprio erro; é acomodar-se ao mal.

 

Para o apóstolo dos gentios o pecado habita em nós nos compelindo muitas vezes a fazer o que não queremos. Agora, deter-se no caminho dos pecadores, para muito além de ser habitado pelo pecado, é passar a habitar o pecado; é firmar residência onde o erro é a regra; é rejeitar a santidade e mergulhar na podridão; é confortar-se com o ofício do cuidado de porcos, conforme lemos na parábola do Filho Pródigo, e lançar-se às bolotas e lavagens nojentas com um desejo voraz, deixando a fome e os instintos primitivos dominarem o ser.

 

Deter-se no caminho dos pecadores é curvar-se à obstinação do coração podre, já incapaz de sentir o próprio odor, de enxergar a própria sujeira, de perceber o próprio estado degradável. Ao exemplo disso, dentre os estágios de putrefação de um cadáver, de modo resumido, temos uma sequência: há o estágio inicial, onde ele fica enrijecido; depois ele vai se inchando, em face dos gases que se formam em seu interior, enquanto uma circulação sanguínea póstuma acontece, já que há uma pressão decorrente desse inchaço que evidencia várias de suas veias. Em seguida, o cadáver passa a expelir esses gases e cada vez mais vão agindo vermes e bactérias que o consomem inteiramente. Por fim, vão ficando apenas restos, retalhos de pele e ossos até, por fim, não sobrar nada. Assim também é a condição daquele que se detém no caminho dos pecadores: morto em ofensas e em pecados, vai enrijecendo-se, com seus tendões e musculaturas tornando-se inflexíveis; depois vai inchando-se pelo orgulho, arrogância e incapacidade de arrepender-se; esse inchaço faz com que haja uma suposta circulação sanguínea, mas o sangue choco e podre que fica exposto pelos mapas venais evidenciados, esconde a podridão de vermes que o consomem até não sobrar nada. Deter-se no caminho dos pecadores é, de fato, decidir pela autoextinção; é tornar-se o evento cataclismo de destruição do próprio ser; é instalar, em si mesmo, o dispositivo de implosão que não destruirá somente a si, mas também a muitos que o cercam.

 

A Roda dos Escarnecedores

“...nem se assenta na roda dos escarnecedores.” (Salmos 1:1c)

 

Por conseguinte, o verbo escolhido pelo salmista é “assentar”. Assentar representa acomodar-se confortavelmente. Assentar-se à roda dos escarnecedores e permitir se aliançar àqueles que convertem a compaixão e a verdadeira piedade em escárnio perverso. É assentar-se à roda daqueles que riem da fé; que caçoam da confiança plena no Deus misericordioso, justo e soberano. Os escarnecedores têm o sarcasmo e a irreverência como instrumentos de sua arte perversa. É o círculo da perversidade, onde todos não conseguem olhar para fora daquela bolha em que se acomodaram. Olham uns aos outros e se admiram como os mais iluminados, como os mais dotados de intelecto. São formados na academia do orgulho e do egoísmo; escondem-se atrás de seus títulos e fazem pouco caso de qualquer outro que encontrem no caminho.

 

Foram os escarnecedores que esbofetearam o maltrapilho Cristo; que O cuspiram a face; que lhe feriram com porretes; que zombaram daquEle que só fez o bem. Foram os escarnecedores que converteram seu sarcasmo em ódio aterrador e se divertiram enquanto o Sangue Inocente era derramado, enquanto os cravos penetravam suas mãos e pés e que se regozijaram quando por fim Ele expirou.

 

A roda dos escarnecedores é a reunião da prepotência; é o palco da zombaria e da blasfêmia. A roda dos escarnecedores é o altar da apatia e do prazer de ver o sofrimento alheio. A roda dos escarnecedores é faculdade dos arrogantes, é a cátedra dos orgulhosos. A roda dos escarnecedores é o templo onde são adorados os deuses do “eu”; é o panteão dos ególatras. Na roda dos escarnecedores está posta uma mesa onde o próximo é devorado, onde a reputação dos santos é consumida e destruída.

 

O que se assenta à roda dos escarnecedores já está envolto no encantamento que as palavras de zombaria e de pretensa superioridade intelectual produzem, e que, porém, são vazias de verdade, de fidelidade, de misericórdia e de retidão. Assentar-se à roda dos escarnecedores é encontrar um lugar cômodo e confortável para alimentar a própria perversidade.

 

O Prazer na Lei do Senhor

“Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite.” (Salmos 1:2)

 

          Certa vez o apóstolo dos gentios afirmou que o “cumprimento da lei é o amor” (Romanos 13:8-10). Já inicio dizendo isso, pois não temos aqui o desejo de recosturarmos o véu que a Graça rasgou de cima a baixo. Conscientes disso, enquanto nos abstemos daquilo que o primeiro verso nos adverte passamos a caminhar em sentido contrário e isso se torna necessariamente o nosso prazer.

 

          O amor é um caminho (1Co 12:31b). E como caminho exige de nós movimento; exige de nós o andar. O caminho existe para ser trilhado; é o seu propósito. O caminho existe para nos conectar a outro lugar. O amor como caminho é também a conexão ao próprio Deus, que é amor. É importante entender, antes de tudo, que Deus não é mera expressão de amor; não é ação objetivada a amar: Deus é amor. O amor compõe a Sua substância, ainda que não tenhamos condições de discerni-la. Por isso, nem ao amor conhecemos em profundidade, enquanto limitados a essa condição corrupta e imperfeita (I Coríntios 13:10,12). E esse é um caminho de prazer, de alegria plena, de vida superabundante.

 

          Meditar na lei do amor significa refletir nas implicações que o cercam: a abnegação; o sacrifício; a entrega desinteressada; a devoção; o sofrimento; o suportar; a esperança consciente, resoluta, firme e inabalável; o próprio crer. Meditar na lei do amor é ler e reler o espírito mais profundo do Evangelho; é ser penetrado pelo olhar de Cristo, por Sua vida, por Seu testemunho, por Sua morte, por Sua redenção. É ser traspassado pela Sua Palavra e agonizar ante a consciência da nossa própria maldade, profunda, asquerosa, impiedosa, mas que alcança o perdão absoluto. É chorar amargamente pelo seu próprio mal; e chorar constrangido ante a redenção.

 

          A partir dessa meditação, e quanto mais se aprofunda nessa meditação, mais as raízes do ser são nutridas pela vida que vem das fontes que passam a jorrar em nosso interior. O salmista diz que seremos como árvores plantadas junto a ribeiros, que dão fruto no tempo certo e que suas folhas estão sempre verdes e frondosas (verso 3). E aqui nós entendemos que a árvores não existe para si mesmas. Em outras palavras, a sua vida passa a ser aconchego e sombra para o próximo. Passarinhos e mais e mais vidas passam a habitar essa árvore. Ela se faz alimento para o necessitado, sombra para o cansado, abrigo para o aflito, repouso para o desesperançado. A sua vida, como árvore frutífera, passa atrair àqueles que têm sede de vida e, não somente isso, mas a sua vida se torna ponto de referência para águas e fontes de vida.

 

          Já os ímpios refletem apenas a sua sequidão, a devassidão do próprio ser. São como a moinha que o vento espalha; são restos daquilo que foi debulhado; são apenas os resíduos de uma existência dissoluta e sem propósito. Ao contrário de uma árvore plantada junto a ribeiros, ao ímpio basta um sopro para lhe arrebatar e para desfazer o que ele julgou importante; uma brisa é suficiente para desfazer o que acredita ser sua edificação. A sua prosperidade, a sua alegria, o seu ânimo, e a sua esperança desfazem-se com uma leve ventania. E é justamente por isso que não subsistem no juízo. O juízo é fogo, e a moinha nada mais é que combustível para o fulgor da Ira de Deus contra a maldade e contra a perversidade. O ímpio é, assim, alimento para que o juízo de Deus se manifeste.

 

          Por fim, o salmista nos diz que o Senhor conhece o caminho dos justos (verso 6-A). Ele sabe a rota; Ele sabe os desafios; Ele traçou o rumo; Ele é também o GPS, a bússola, o norte; Ele é o Sol que nos indica a direção; basta que coloquemos os nossos olhos nEle e nos guiemos por Sua Palavra, que é lâmpada para os nossos pés e luz para os nossos caminhos (Salmos 119:105).

        Contudo, o caminho dos ímpios perecerá, visto que é em si mesmo, e como já dito, a sina da própria destruição.

          NEle, que é amor, que é o Rio da Vida, que é a fonte,

 

 

          Jordanny.