domingo, 19 de abril de 2020

Interestellar: O Tempo e o Amor




INTERESTELLAR: O TEMPO E O AMOR

O tempo traz em si, ou consigo, um fascínio bem peculiar: é assombroso, quando não maravilhoso; é perceptivelmente forte e com sua força nos humilha; é inescapável, ainda que dele tentemos fugir; é pacificador, enquanto guerreamos com ele, até nos rendermos à sua invencibilidade; é sutil, mas de um valor inestimável; é silente, mas estrondoso; sabe curar enquanto fere; sabe ferir enquanto cura; é feroz com os que não o aceitam, e é dócil com os que o reverenciam; é o ourives da saudade e o artesão do saber...

Há alguns anos assisti a um filme que alcançou sucesso incontestável dada à sua história envolvente, apresentada de modo inteligente, sensível, poético, com uma trilha sonora maravilhosa, trazendo em seu bojo teorias de relevância científica, e que abordava o tempo de modo profundo, cativante. A maioria de nós se viu encantado por Interestellar de Christopher Nolan. Nesse filme, o que mais me chamou a atenção foi a existência de dois personagens sutis, fortes, envolventes e assustadores: o tempo e o amor! Sim, a história corre em seus trilhos e os eleva, e os releva!

Quem já assistiu ao filme se recorda do fatídico momento em que, tendo aceitado uma missão que acreditara ter por objetivo salvar sua família e, consequentemente, toda a raça humana, Cooper vai ao quarto de sua filhinha, Murphy, para se despedir e lhe presenteia com um relógio. Naquele diálogo, sabendo de tudo que envolve a dinâmica temporal e sua relatividade, tenta de alguma forma amenizar a situação, dizendo à sua filha que, quando ele estivesse lançado ao cosmos, à deriva na imensidão do espaço rumo ao desconhecido, agarrado a uma fagulha de esperança, o tempo mudaria para ambos. Assim, quem sabe, quando ele retornasse de sua jornada, poderia ter a mesma idade de sua filha. A reação de Murphy, aos 13 anos, não poderia ser diferente: ante a iminente separação de seu pai, não aceitou aquilo e lançou o presente [o relógio] contra a parede, num ato de desespero, por não poder impedir que seu pai fosse.

A história se alonga. O roteiro se desenvolve. As consequências relativísticas aliadas ao tempo são evidenciadas quando alguns membros da tripulação da nave Endurance precisam pousar num planeta que fica próximo a Gargântua, um buraco negro. Ali, poucas horas para Cooper e Amélia Brand resultam em mais de duas décadas relativamente ao tempo que passou na Terra. De volta à Endurance, mais de 23 anos havia passado. Coincidentemente, após esse tempo, Murphy completa a idade que seu pai, Cooper, tinha quando saiu da Terra, e lhe remete uma mensagem lembrando de sua promessa de que retornaria.

Por conseguinte, momentos dramáticos surgem à frente - os quais deixarei para que os leitores se permitam conhecer assistindo ao filme -, que forçam Cooper, em uma tentativa desesperada de salvar a missão, bem como Amélia Brand, a última sobrevivente da tripulação junto com ele. Assim, para conseguir mandar Amélia para o planeta de Edmund, um tripulante de uma missão anterior denominada Lázaro, ele precisa passar junto ao horizonte de eventos de Gargântua, ocasião em que, deixado para trás, sacrifica-se para que sua companheira de viagem chegue ao seu destino.

Solto da nave Endurance, em um módulo de voo menor, Cooper passa a ser atraído de modo inescapável por Gargântua que, à semelhança de Cronos – o deus do tempo -, é um devorador voraz. Engolido por Gargântua, Cooper é arremessado em um hipercubo, que é uma conversão de uma visão pentadimensional para um ser que só consegue acessar o mundo tridimensional. Aquela simulação de cinco dimensões remete Cooper para o quarto de sua filha, onde antes ele lhe tinha dado o relógio, e onde muitos outros fatos essenciais para o entendimento do filme acontecem. 

Cooper então entende que a única forma para se criar aquele ambiente pentadimensional, que lhe permitiria romper o espaço tempo, voltando no tempo em que sua filha ainda era criança, era por meio do amor que lhes envolvia. O amor tinha sido a chave! Sem essa ligação de amor; sem esse laço de afeto, não haveria possibilidade para que os seres – provavelmente humanos – mais desenvolvidos pudessem recriar o portal pentadimensional. Agora, graças ao laço de amor entre pai e filha, Cooper poderia mandar uma mensagem a Murphy. Entende ainda que, para que sua filha e o mundo fossem salvos, era inevitavelmente necessário que ele enviasse a si mesmo para uma aventura que lhe furtaria de ver a história de seus filhos de perto; que lhe furtaria o mais precioso dos bens: o tempo! Nesse momento fica claro quais são os dois personagens principais da história: o tempo e o amor; aquele, porém, submetido a este... Então, valendo-se dos dados que haviam sido coletados dentro de Gargântua, e que decifravam a singularidade, Cooper consegue transferi-los, ironicamente, aos ponteiros de segundos de um instrumento criado com a finalidade de marcar o tempo: um relógio. E Cooper sabia que sua filha, um dia, pegaria de volta aquele presente, uma vez que ele lho tinha dado. Murphy, por sua vez, já adulta, volta ao quarto de sua infância, ao profundo de suas lembranças, à origem de seus fantasmas, e resgata aquele pequeno objeto, percebendo, assim, que seu pai havia lhe mandado uma mensagem, e que essa mensagem era a solução da equação que salvaria toda a humanidade!

O espectador pode ficar curioso quanto à fórmula que rompe a poderosa força da gravidade, que encurva o espaço-tempo, que permite a produção de portais que ligam galáxias distanciadas por milhões de anos luz. Porém, de modo sublime, o autor do filme consegue deixar claro que a fórmula é o amor! O amor rompe todas essas barreiras... Transcende tempo, espaço, eras, cosmos, universos, dimensões, mundos! O amor é a mensagem, é a fórmula, é a solução, é a equação, é o equilíbrio, é o fundamento que rompe a lógica, que humilha a ciência e que, mais do que tudo, concilia-se enquanto vence e submete o tempo a si.

Tempo, relógio, poesia, família, amor: temas que me encantam; temas que me atraem! Espero que você assista ao filme, caso não tenha assistido, e se encante também pelo roteiro, pela história, pela trilha sonora, pelo mistério, pela ciência, pelo tempo e, sobretudo, pela mensagem de amor que entrelaça e transcende tudo isso...

Muito obrigado por ler até aqui,

Jordanny.


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